Neste pequeno compilado, trago críticas para duas histórias do início da carreira de Carl Barks na Disney. A primeira delas, Pluto Salva o Navio, foi originalmente publicada em 16 de julho de 1942; e a segunda, O Tesouro do Pirata, foi originalmente publicada em 14 de agosto de 1942. Você conhece essas aventuras iniciais do Mestre Carl Barks? O que acha delas? Deixe os seus comentários ao final da postagem!
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Pluto Salva o Navio
As poucas vezes que falou a respeito dessa história, Carl Barks bateu na tecla de que se tratava apenas de uma propaganda de guerra, pensada para divulgar a presença do atrapalhado Pluto como mascote do Exército. E também que ela serviu para colocá-lo de vez na linha de produção das narrativas longas em quadrinhos (desde 1935 ele atuava como roteirista e diretor de criação nos Estúdios Disney, fazendo também pequenos argumentos para algumas tirinhas diárias do Pato Donald, publicadas em jornal entre 1938 e 1939). E sim, o autor estava certo. Pluto Salva o Navio é uma aventura medíocre, escrita a seis mãos (ao lado de Jack Hannah e Nick George) e ilustrada “por um layout man da Disney, com talento para desenhar a parafernália de um estaleiro quadro a quadro“, como bem definiu Barks em uma entrevista. Acredita-se, aliás, que esse layout man tenha sido Bruce Bushman, mas não há comprovação disso.
No calor da 2ª Guerra Mundial a Disney produziu uma grande quantidade de filmes e HQs que tinham por objetivo educar a população de todas as faixas etárias e levantar o moral das tropas em campo, com histórias que variavam de denúncia aos horrores do nazismo (como o ótimo Aprendizado Para a Morte ou a obra-prima A Face do Führer, por exemplo) até pequenos dramas de espionagem e boicotes, como no presente caso. Neste enredo, Pluto é escolhido como mascote de um estaleiro, mas é visto como um atrapalhado pelos soldados, dos quais só vemos as botas ou as mãos, quando aproximadas dos animais. A perspectiva escolhida pelo artista é a correta para esse tipo de drama, que foca num herói animal. Nesse caso, um que já traz a linha de abordagem típica de Barks: a do desastrado herói por acidente.
Um outro cão do estaleiro, chamado Barão, serve a um soldado infiltrado, que quer colocar uma bomba num contratorpedeiro (destroyer) prestes a ser inaugurado. Aqui, não existe desenvolvimento de personagens ou mesmo da temática de guerra. A indicação que temos do conflito é tida pelo contexto e por leves indicações fornecidas durante a história. Isso porque, na maior parte de Pluto Salva o Navio, vemos o cão-herói perseguindo Barão, o cão-vilão, e tentando roubar-lhe o osso, dentro do qual está a bomba-relógio. Considerando o comportamento animal, não é nenhum absurdo que essa seja a tônica da HQ; mas realmente não há quase nada além disso. Serve pelo menos como curiosidade histórica, por ser a primeira história longa de Carl Barks (embora em roteiro coletivo) num quadrinho Disney. E também como integrante da lista de quadrinhos de propaganda de guerra, claro.
Pluto Salva o Navio (Pluto Saves the Ship) — EUA, 16 de julho de 1942
Código da História: W LFC 7-01
Publicação original: Large Feature Comic (series 2) #7 — Western Publishing
No Brasil: O Melhor da Disney: As Obras Completas de Carl Barks 20 (2006) — Editora Abril
Roteiro: Carl Barks, Jack Hannah, Nick George
Arte: Bruce Bushman?
Capa original: Bruce Bushman?
56 páginas
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O Tesouro do Pirata
E eu achando que a “primeira história importante” de Carl Barks como quadrinista da Disney seria melhor que a sua “primeira história não importante“! Ledo engano. Mas há aqui alguns elementos que podem nos ajudar a entender melhor a concepção desse trabalho de agosto de 1942, e talvez encontrar alguns motivos pelos quais a trama de O Tesouro do Pirata é bem ruinzinha. Um ponto inicial para isso é compreender de onde veio a premissa para esta aventura. Ela foi concebida como roteiro de uma animação que deveria trazer Mickey, Donald, Pateta e Pluto em busca de um valioso tesouro espanhol, numa ilha misteriosa. O estúdio, porém, acabou não produzindo o filme, porque tinha muitas obras de propaganda de guerra para dar conta. E então os storyboards, mais o enredo geral do filme, foram arquivados.
Não muito distante do estúdio, o editor Oscar LeBeck, da Western Publishing, estava à procura de histórias do Pato Donald para os quadrinhos de suas revistas. Foi assim que ele chegou ao roteiro abandonado de Os Três Bucaneiros, e recebeu a indicação de dois ilustradores ágeis que poderiam transformar os desenhos-base da animação em páginas de quadrinhos: Carl Barks e Jack Hannah. O curto texto de O Tesouro do Pirata ficou a cargo de Bob Karp, que não conseguiu fazer um bom trabalho ao transformar uma narrativa feita para a grande tela, em uma narrativa com a dinâmica dos quadrinhos. A trama é abrupta em tudo o que apresenta, especialmente na relação entre Donald, Huguinho, Zezinho, Luizinho (que nesse primeiro momento falavam em continuidade, um completando a frase do outro em TODOS os diálogos — o que é um saco) e o papagaio Bico Amarelo.
O problema é que a arte de Barks e Hannah é “apenas ok“, com poucas exceções que nos chamam a atenção ao longo da trama (destaco apenas os belos desenhos de Barks quando a tripulação chega à ilha). Juntando, portanto, a falta de um visual majoritariamente marcante/interessante com uma história muito bagunçada — onde um personagem aleatório e fraco, como o papagaio mandão, ganha destaque e é obedecido simplesmente “porque sim” –, temos um resultado final nada animador. E por falar no final, vale ainda dizer que é um encerramento absolutamente sem graça. Embora não seja de Barks sozinho, e embora ele não tenha escrito o roteiro, O Tesouro do Pirata é tido como o produto que o oficializou na Nona Arte. Não é todo grande Mestre que começa bem a carreira, não é verdade? Eis aqui mais um exemplo.
O Tesouro do Pirata (Donald Duck Finds Pirate Gold) — EUA, 14 de agosto de 1942
Código da História: W OS 9-02
Publicação original: One Shots #9 – Donald Duck Finds Pirate Gold! — Dell
No Brasil: Seleções Coloridas #9 (1947), Almanaque Disney 102 (1979) e O Melhor da Disney: As Obras Completas de Carl Barks 9 (2005).
Roteiro: Bob Karp
Arte: Carl Barks (páginas 1,2,5,12 a 40) e Jack Hannah (as outras páginas)
Capa original: Hank Porter?
64 páginas