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Crítica | Planeta Pré-Histórico 2

Um desbunde audiovisual.

por Ritter Fan
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Se eu sou realmente fã cego de alguma coisa do audiovisual a ponto de salivar só pela possibilidade de ver o que gosto nas telonas e nas telinhas, essa coisa são os documentários em computação gráfica sobre animais pré-históricos que dão vida a eles de maneira a nos fazer retornar dezenas de milhões de anos no tempo para ver as mais variadas e fascinantes criaturas que já singraram nosso planeta. Nem todo mundo sabe, ainda que eu já tenha dito isso aqui antes, mas eu sou um paleontólogo frustrado, pois, quando em tenra idade – e até hoje em dia se quiser ser sincero -, consumia e consumo absolutamente tudo o que sou capaz de consumir sobre o assunto (digo capaz, pois os livros técnicos eu simplesmente não tenho estofo – e tempo – para ler). Admiro demais quem seguiu e segue essa profissão e acompanho avidamente a evolução da ciência desde que os dinossauros não passavam de “lagartos” enormes e lerdos, sem cores e sem penas que se arrastavam por pântanos assustadores.

Planeta Pré-Histórico, série do Apple TV+ que segue os moldes da pioneira – e ainda fantástica – Walking with Dinossaurs, de 1999, por sua vez quase um spin-off de Jurassic Park – O Parque dos Dinossauros, de seis anos antes, foi uma gratíssima surpresa quando lançada em 2022, surpresa essa que continuou quando saiu o anúncio de que o que eu achava que seria apenas uma minissérie, acabou sendo, na verdade, uma série, com pelo menos mais uma temporada que, exatamente um ano depois, chegou ao serviço de streaming. O que a série produzida em conjunto com a BBC faz, além de trazer o magnífico David Attenborough para narrar e apresentar os (pouquíssimos!!!) episódios é empregar computação gráfica de ponta para recriar esses animais fantásticos na forma de um documentário no melhor estilo “estamos lá filmando” da National Geographic ou Discovery que é também ousada o suficiente para, por diversas vezes, aplicar descobertas, suposições e teorias recentíssimas – algumas tão recentes como literalmente o ano passado – que a paleontologia e outras ciências irmãs trouxeram sobre o mundo pré-histórico, com o reconhecimento implícito de que ainda há muito a ser estudado e que o que vemos hoje pode não ser exatamente verdade em pouquíssimo tempo.

Como na primeira temporada, o foco exclusivo é no período Cretáceo, mais especificamente no Cretáceo Superior, há 66 milhões de anos, o que coloca a série na chamada idade Maastrichtiana, na beira do período seguinte, o Paleogeno, o que permite a abordagem não só de dinossauros ditos clássicos, como o Tiranossauro Rex, como também outras sensacionais espécies, inclusive os répteis do céu (pterossauros) e do mar e até os mamíferos, o que abre o leque narrativo para muito além do que é costumeiramente abordado em obras do gênero. Novamente, são cinco episódios divididos em tipos de ambientes nessa Terra primordial, ainda que a divisão, agora, seja estranha, pois ela inclui, na ordem, Ilhas, Terras Inóspitas (basicamente um guarda-chuva para desertos e regiões vulcânicas), Pântanos, Oceanos e, como o “filho diferente”, América do Norte, mas que, na verdade, não importa tanto assim pois é muito interessante como a série é capaz de “construir em cima” do que veio antes, criando conexões que tornam a experiência ainda mais prazerosa.

Mesmo que os gigantescos saurópodes, o assustador T-Rex e outros dinossauros poderosos e carnívoros semelhantes, e o Mosassauro, rei dos mares, sejam as grandes e chamativas atrações desta ou de qualquer outra série com essa abordagem, há o cuidado em se trabalhar aspectos não comumente vistos em outras produções e que são frutos de pesquisas recentes. No primeiro caso, por exemplo, acompanhamos uma manada de Isissauros fêmeas em uma jornada de desova pelo Decão, hoje um planalto na Índia que, no Cretáceo, era um literal inferno de lava incandescente e com gases mortais, tudo para alcançar um lugar protegido em que os filhotes possam nascer longe de predadores. Sobre o T-Rex, ele figura em dois momentos relevantes da temporada, um em que o vemos caçando em dupla à noite (era quase que uma unanimidade a conclusão de que predadores como ele caçavam somente de dia) e, depois, um deles improvavelmente enfrentando dois Quetzalcoatlus (pterossauros enormes) em razão de uma apetitosa carcaça de um Alamossauro idoso. Finalmente, quando vemos pela primeira vez um Mosassauro, o foco fica na variação menor desses gigantes (menor, mas ainda assim de três metros, vejam bem…) batizada de Phosphorossauro e em seus hábitos de caça em meio aos corais. Quando o mega-Mosassauro de 15 metros que conhecemos finalmente ganha exclusividade de abordagem, é para o money shot de sua caça a nada menos de que um também enorme Tuarangissauro (um elasmosauróide).

Mas não só os dinossauros imponentes que ganham destaque. Como na primeira temporada, há muito espaço dedicado aos pterossauros que dominavam o céu daquela época com suas mais do que 250 espécies, inclusive em momentos mais, digamos, prosaicos, sem grandes batalhas ou caçadas, como é todo o processo de corte e acasalamento do Hatzegopteryx (os dois aí da imagem de destaque da presente crítica) e, também, a variados raptores emplumados, desde os quase pavões Corythoraptores machos chocando os preciosos ovos de suas fêmeas até os gigantescos Austroraptores em uma luta territorial pelo melhor lugar de pesca. E isso sem esquecer, claro, de clássicos como o Paquicelafossauro (eu adoro esse nome e esse bicho cabeçudo!) disputando para ver que se torna o macho alfa e dois jovens Tarchia (basicamente tanques de guerra vivos) tendo que lidar com um adulto de sua espécie em razão do direito de beber água. Nem mesmo os minúsculos Nostoceras (que crescem para se tornar amonitas de concha particularmente diferente) são esquecidos.

Em meio a essas jornadas incríveis repletas de variedades inebriantes de criaturas a que Attenborough nos leva, temos uma computação gráfica fotorrealista de se tirar o chapéu e que é capaz de envergonhar muita superprodução cinematográfica hollywoodiana de hoje em dia. Como disse em minha crítica anterior da série, essa é, para mim, a verdadeira função do CGI, ou, talvez melhor dizendo, a melhor forma de se empregar a computação gráfica que, aqui, está sempre a serviço da narração e não o contrário. O show de pixels é tão imersivo que não demora e estamos todos envolvidos com a proposta da série que é tratar o Cretáceo Superior como se fosse no presente, com a câmera sempre parecendo estar sendo manejada por uma paciente e corajosa equipe de cientistas e técnicos que passam meses para capturar momentos importantes na vida das diversas espécies.

Talvez percebendo que o lado científico puro dessa empreitada audiovisual deixou um pouco a desejar na primeira temporada – esse foi o único ponto negativo que apontei – a segunda temporada ganhou não só um apêndice de alguns poucos minutos (entre cinco e seis) ao final de cada episódios chamado de Planeta Pré-Histórico: Revelado, ou Uncovered no original) que foca em alguma descoberta recente explorada no episódio, como o Apple TV+ disponibilizou um segundo Revelado para cada episódio, aumentando a oferta de detalhamentos tão fascinantes quanto a própria série. No entanto, sendo chato, ainda é pouco, muito pouco. Cada episódio merecia não apenas 10 minutos de destrinchamento científico, com entrevistas e imagens reconstruídas e também de animais hoje existentes com comportamentos parecidos, mas um Revelado completo, da mesma duração do episódio em CGI. Quem sabe, no próximo ano, não teremos mais disso?

Planeta Pré-Histórico 2 é, como diria minha avó, um desbunde. Um desbunde daqueles que dá tristeza quando acaba e que dá vontade de ver e rever quase que quadro-a-quadro. Espero que o Apple TV+ tenha planos para continuar a série indefinidamente e que novas temporadas abordem tanto períodos mais antigos como mais recentes da pré-história de nosso planeta. Seria maravilhoso vermos Dimetrodontes no Permiano, assim como Dinotérios no Mioceno. Mas, se a escolha for ficar só no Cretáceo Superior, juro que não reclamarei!

Planeta Pré-Histórico 2 (Prehistoric Planet 2 – EUA/Reino Unido, 22 a 26 de maio de 2023)
Showrunner: Jon Favreau
Direção: Adam Valdez, Andrew R. Jones, Krzysztof Szczepanski
Roteiro: Paul D. Stewart, Nick Lyon, Alec Ginns, Amber Cherry Eames, Paul Thompson
Narração: David Attenborough
Duração: 200 min. (cinco episódios)

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