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Crítica | Planeta do Exílio, de Ursula K. Le Guin

O inverno está chegando!

por Ritter Fan
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Em 1966, a escritora americana Ursula K. Guin fez uma estreia dupla, lançando os dois primeiros romances de sua bibliografia – antes, ela só havia escrito poemas e contos – um em seguida ao outro, com ambos fazendo parte do mesmo universo amplo que ela estava começando a criar e que seria batizado de Ciclo Hainish, composto de vários livros com conexão tênue que podem ser lidos em qualquer ordem. O Mundo de Rocannon, a mais do que respeitável obra inaugural, andava muito confortavelmente na linha fronteiriça entre ficção científica e alta fantasia, pendendo para o segundo e Planeta do Exílio faz algo semelhante, mas talvez encontrando um equilíbrio melhor entre os dois gêneros.

Também como em sua obra anterior, a autora nos apresenta a um universo já inteiramente construído e desenvolvido, com diversas camadas de complexidade ao longo de uma narrativa macro de prováveis milhares de anos, com o romance sendo um pequeno recorte espaço-temporal dessa sua visão mais ampla, com a ação se passando no planeta Eltanin (ou Alterra) seis séculos depois que a Liga dos Mundos, referenciada também em O Mundo de Rocannon, estabeleceu uma colônia ponta-de-lança ali e jamais voltou a contatar esse mundo novamente, com os descendentes dos colonos originais, cuja população está em decadência, ainda vivendo com base em regras firmes sobre como lidar com os nativos dos planetas, ou seja, jamais usando tecnologia que vá além do que eles possuem de forma a não alterar o curso natural da evolução deles. Mas, como George R.R. Martin mais tarde popularizaria obviamente inspirado por Le Guin, o inverno está chegando e, com ele, uma horda selvagem do norte ameaça o equilíbrio entre o povo vindo das estrelas, os alterranos, e os nativos humanoides, os tevaranos, que se toleram em uma paz distante e hesitante.

Mesmo dentro desse recorte bem específico de seu vasto universo, Le Guin apresenta, com grande economia de detalhes – o que de forma alguma é um demérito, já friso logo – uma narrativa repleta de peso, de ancestralidade e de relevância que mais uma vez fala, em essência, sobre a coexistência pacífica ou não entre povos e raças diferentes, em uma lição sobre tolerância e cooperação. A ponte entre espécies, aqui, é a jovem tevarana Hiff Rolery, neta de um líder de seu povo, que se apaixona por Jakob Agat, líder dos alterranos, sendo correspondida, algo que é inegavelmente um tropo narrativo clássico para aproximar os povos em razão da iminente chegada dos selvagens Gaal fugindo do terrível frio do norte e devastando tudo no caminho.

O tempo é um fator muito importante nessas obras de Le Guin. No aspecto macro, os alterranos não se comunicam com seus pares há 600 anos, tornando-os efetivamente exilados no planeta, ao passo que, no aspecto micro, a rotação do planeta em que se encontram fazem com que as estações durem uma geração inteira, com habitantes que nascem e morrem sem conhecer qualquer outra que não seja a estação que nasceu. A chegada do inverno, portanto, é um evento de relevância extrema que muda as condições de sobrevivência de todos ali que, em sua gigantesca maioria, jamais encarou esse tipo de desafio climático. A união entre os tecnologicamente mais avançados alterranos com os mais primitivos tevaranos pode ser um caminho para a salvação de todos, mas a desconfiança existente entre os povos há muito tempo e por razões já esquecidas ainda é forte e resiste ao bom senso, com Hiff Rolery servindo muito mais como um lembrete de que uma aliança é possível do que como uma promessa de que ela acontecerá.

Apesar de ainda ser tecnicamente seu começo pelos romances longos, Le Guin mostra muita elegância na forma econômica que usa para descrever o planeta, os povos e as inter-relações entre eles, criando com muita naturalidade uma intrincada rede que expande seu universo, mas que é, ao mesmo tempo, fluida e fácil de compreender, com a autora muito claramente semeando um campo fértil de ideias. Seus personagens, aqui, não são tão bem desenvolvidos como os de seu romance anterior, mas ela consegue compensar essa falha com uma abordagem mais sutil e delicada que, se o leitor prestar atenção, conversa muito claramente com O Mundo de Rocannon e também com a obra posterior, Cidade das Ilusões, formando a trilogia inicial de seu Ciclo Hainish, mas ao mesmo tempo mantendo distância suficiente para cada um dos romances funcionar de maneira independente.

Planeta do Exílio é um sólido segundo passo na carreira de uma das mais importantes autoras americanas de ficção científica. É fascinante como ela, sem parecer que faz qualquer esforço e deixando evidente suas influências, erige as bases para grande parte de sua bibliografia do gênero que, a cada obra, ganha mais personalidade própria na fusão do sci-fi com alta fantasia e mais relevância no emaranhado criativo de sua mente para criar um universo realmente memorável.

Planeta do Exílio (Planet of Exile – EUA, 1966)
Ciclo Hainish:
Livro Dois
Autora: Ursula K. Le Guin
Editora original: Ace Books (Ace Double)
Data original de publicação: 1966
Editora no Brasil: Editora Tecnoprint
Data de publicação no Brasil: 1976
Páginas: 208

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