- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos outros episódios da série.
Qual é a diferença entre a máfia e o governo?
Um deles é organizado! – Oswald “Oz” Cobb
Ao som de Call Me Irresponsible, cantado aqui por Tony Bennett ou Bobby Darin (confesso que fiquei na dúvida), o Pinguim faz a piada que citei acima enquanto se prepara para receber um ataque inimigo que o mesmo planejou, apesar de não ter antecipado que estaria na linha de frente dos tiros. Essa divertida, intensa e bem dirigida cena de assalto é representativa da trajetória do protagonista até aqui: se adaptando às situações e problemas que esse mundo o oferece, sempre saindo relativamente por cima em um misto de esperteza, sorte e muito bom humor. Esses momentos dos dois episódios acabam me lembrando a abordagem narrativa de séries recentes como Breaking Bad, Better Call Saul e Ozark, em que nossos protagonistas ambiciosos estão escalando a hierarquia do crime organizado e sempre conseguem escapar de situações impossíveis.
Confesso que gosto desse episódio um pouco menos do que o mais dinâmico Tempo Extra, mas mantive a mesma nota por ser uma sequência de eventos orgânica, paciente e que explora bem os personagens enquanto faz bons preparativos para o restante da história. Acho que seria um desserviço analisar esse episódio com olhos negativos por ter um ritmo menos alucinante que a estreia, até porque o roteiro continua mantendo um tom intenso e que segura bem a nossa atenção com bons personagens, um enredo intrigante e uma produção de alta qualidade em todos os departamentos.
De início, conhecemos melhor Sofia Falcone, algo essencial para a dinâmica que a obra promete ao fim do episódio (mais disso à frente). Tenho sentimentos mistos em relação à cena da terapia e o relacionamento entre a personagem e seu terapeuta, Julian Rush (Theo Rossi), porque tive uma sensação de algo melodramático que não me interessou tanto (posso estar errado no futuro), mas, de resto, gostei de todos os momentos com a personagem. De sua evidente psicopatia, confrontamentos com a misoginia da máfia, provocações com os olhos julgadores e até a melancolia com a perda do irmão, tivemos uma boa construção de quem é Sofia Falcone e de qual será seu papel no jogo do Pinguim, apesar de seu passado no Arkham não ter sido totalmente revelado.
Cristin Milioti faz um trabalho de atuação competente, passando tanto uma sensação de loucura com seus olhos expressivos e comportamento a ponto de explodir a qualquer instante, quanto uma calmaria fria e bem calculada, além de uma delicadeza sentimental nos momentos de luto pelo irmão. Ainda que a personagem esteja caindo nos planos do Pinguim, ela é perigosa e sagaz, algo que o próprio protagonista percebe quando Sofia pontua que há um traidor na família. Inclusive, aprecio como os roteiristas não subestimam seus personagens, em sua maioria inteligentes, fazendo com que as manipulações do protagonista tenham que ser cada vez mais bem elaboradas para funcionarem. Isso acontece porque, até aqui, Pinguim se mostra ser uma série esperta, que também não subestima sua audiência.
A escolha de Johnny Viti em colocar Oz no caminhão, a maneira como Nadia Maroni sabe se aproveitar do vigarista, como a prostituta Eve Karlo rapidamente percebe quem assassinou Alberto Falcone, entre outros exemplos de como o submundo de Gotham não será tão fácil de ser tomado. Nesse sentido, o roteiro de Erika L. Johnson coloca Oz em enrascadas na mesma medida que sabe tirá-lo dessas situações com muita criatividade, seja a sequência do assalto, seja o problema com o capanga da família Maroni, com saídas “improvisadas”, bons subterfúgios e uma excelente construção de tensão. Toda a sequência de eventos no ato final do episódio, que levam ao assassinato de Castillo, é maravilhosamente bem construída na forma como a narrativa brinca com o que esperamos e com o que efetivamente acontece, sem nunca perder aquela ironia gostosa, o tom de violência e o humor ácido que já se tornaram marca da produção (especialmente na trilha sonora).
Talvez minha única crítica seja em relação a maneira como Oz confia cegamente em Victor, sem nenhuma razão aparente, mas isso parece ser algo que faz parte da construção do arco dramático do protagonista, de como possivelmente enxerga o jovem como um espelho de si mesmo quando era mão direita do Carmine (apesar de não duvidar nem por um segundo que ele mataria Victor sem titubear). Aliás, seguimos tendo um ótimo desenvolvimento do personagem para além do criminoso violento, com mais destaque para seu relacionamento ao mesmo tempo bonito e perturbador com sua mãe. Nos quadrinhos, o Pinguim é quase sempre o mesmo vilão: um rei do crime (he,he) que enfrenta o Batman; então tem sido interessante ver essa leitura do personagem como um hustler, alguém buscando subir ao topo.
No mais, Infiltrado é, sim, menos explosivo e menos marcante do que o episódio de estreia, até por conta da sua abordagem de “menos sobre o que está acontecendo agora do que sobre o que acontecerá a seguir”, mas não se enganem, isso aqui é uma boa narrativa, com boa construção de personagens, uma direção que mantém a intensidade da história e um estabelecimento do que deve ser o restante da temporada: uma dança manipulativa e maquiavélica entre uma serial killer e um vigarista. O fato de ambos esses monstros não serem apenas interessantes, mas também, até certo ponto, humanos, é um atestado da qualidade do roteiro. Se a criatividade do seriado até aqui é um indicativo, é fácil apostar que esse jogo vai ser muito divertido de assistir.
Pinguim – 1X02: Infiltrado (The Penguin – 1X02: Inside Man) | EUA, 29 de setembro de 2024
Criação: Lauren LeFranc
Direção: Craig Zobel
Roteiro: Erika L. Johnson
Elenco: Colin Farrell, Cristin Milioti, Rhenzy Feliz, Deirdre O’Connell, Clancy Brown, Carmen Ejogo, Michael Zegen, Berto Colón, James Madio, Joshua Bitton, David H. Holmes, Daniel J. Watts, Ben Cook, Jayme Lawson, Michael Kelly, Theo Rossi, Shohreh Aghdashloo
Duração: 65 min.