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Crítica | Pessoas-Pássaro

por Ritter Fan
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estrelas 3

Obs: Antes de mais nada, é importante deixar claro que, dada a natureza de Pessoas-Pássaro, qualquer crítica que se preze terá que abordar determinado aspecto do filme que pode ser considerado spoiler. Porém, tomei o cuidado de tratar a questão da maneira mais discreta possível. De qualquer forma, ao puristas, fica o aviso.

Não se pode dizer que o novo filme de Pascale Ferran não é original, diferente mesmo, quase que dois pedaços de duas obras diferentes que, magicamente, ao serem reunidos, formam um conjunto surpreendentemente coeso. O que atrapalha o resultado final é que Ferran não sabe quando parar e oferece muito do mesmo, ao ponto de se repetir. Mas eu chegarei ao ponto negativo em seu devido tempo.

Começando a projeção com uma câmera intrusiva em um trem em direção ao aeroporto Charles de Gaulle, em Paris, o filme nos coloca na mente das mais diferentes pessoas, permitindo-nos ouvir seus pensamentos, reclamações e comentários. Por um momento, parece que estamos testemunhando o começo de um filme que trabalhará uma pluralidade de pessoas em histórias simultâneas, até que, finalmente, paramos em Audrey (Anaïs Demoustier) a caminho de seu trabalho em um hotel perto do aeroporto. Nós, então, a acompanhamos no começo de seu expediente e aprendemos um pouco de seu dia-a-dia. Abruptamente, somos então levados ao americano Gary Newman (Josh Charles), engenheiro do Vale do Silício que acabou de chegar em Paris para uma reunião e para pegar um voo no dia seguinte para Dubai. Passamos a acompanhá-lo em todo esse processo até voltar ao hotel quando, aí sim, o filme verdadeiramente começa, anunciando seu nome em um inter-título.

É que Gary passou a noite em claro e tomou uma decisão: ele quer mudar sua vida completamente. Para isso, ele desiste do voo de Dubai, estende sua permanência no hotel e passa a ligar para sua empresa, sua esposa e seu advogado e nós, novamente, acompanhamos, em detalhe, esse processo.

Corta novamente e um novo inter-título aparece, dessa vez com o nome de Audrey, que reaparece mais uma vez sendo estabelecida como camareira no hotel, até que, de repente, há um blecaute e ela tem uma experiência sobrenatural. É aqui que vou deixar propositalmente tudo um tanto enevoado, para evitar spoilers pesados, mas basta dizer que a fita muda radicalmente seu tom com esse enfoque em uma “nova Audrey”, quase se transformando em um documentário da National Geographic.

O choque entre o realismo da primeira história e o surrealismo da segunda é interessante é genuinamente surpreende, com bons momentos em cada uma delas. Há, também, um paralelismo bastante óbvio entre a necessidade de mudança por parte de Gary e a transformação de Audrey. Ambos querem ser pessoas diferentes das que são. Querem ir além de onde estão, libertando-se dos grilhões impostos pela sociedade. Há também convergência dos personagens mais para o final, com um ótimo movimento circular do roteiro.

Mas acontece que Pascale Ferran se empolgou com o material que tinha em mãos. Apesar da proposta ser contemplativa, a diretora não tinha mais do que um filme curto, no máximo de 90 minutos no forno. Ao extrapolar para 127 minutos, a estrutura se torna repetitiva e cansativa. Para começar, somos apresentados a Audrey e a Gary duas vezes, a primeira no já longo introito e, depois, a cada início de segmento dedicado a eles. É uma repetição que nada acrescenta aos personagens ou à história e está lá para ocupar espaço e quebrar o ritmo da projeção.

E, dentro de cada segmento, a repetição dos temas chega a ser enervante. Vemos Gary falando ao telefone com seu advogado. Depois com seu sócio. Depois com o advogado novamente. Depois com seu sócio mais uma vez. E, finalmente, testemunhamos uma ligação via Skype de horas com sua esposa. Em todas as ligações, as mesmas perguntas, as mesmas respostas. Ok, entendi a questão da repetição da vida, da necessidade de mudança, mas não era necessário que isso fosse martelado tantas vezes seguidas. No caso de Audrey, depois do acontecimento “mágico”, nós a vemos em situações das mais diversas com um desenhista, com sua colega de trabalho e o homem da recepção do hotel e por aí vai, mas sempre batendo na mesma tecla da liberdade, das mil possibilidades que a vida nos reserva, do viver no momento e por aí vai. Há, sem dúvida, sequências intrigantes, especialmente sob o ponto de vista técnico (fiquei imaginando, por diversas vezes, o trabalho que deve ter sido filmar o que a diretora filmou no segmento dedicado à Audrey), mas nada justifica – nem mesmo o liricismo da proposta – as longuíssimas sequências seguidas de outras longuíssimas sequências com exatamente o mesmo objetivo narrativo, sem que nada novo seja apresentado em termos narrativos.

Mesmo com os problemas evidentes em seu roteiro e montagem, que mata a cadência da obra, o inusitado de Pessoas-Pássaro pode agradar aqueles que estiverem preparados para contemplar algo bonito, saboroso, mas pouco recheio como um pastel de vento. É um trabalho singular, que merece ser conferido por aqueles que se munirem de paciência e compreensão.

Pessoas-Pássaro (Bird People, França – 2014)
Direção: Pascale Ferran
Roteiro: Guillaume Bréaud, Pascale Ferran
Elenco: Josh Charles, Anaïs Demoustier, Roschdy Zem, Taklyt Vongdara, Geoffrey Cantor, Camélia Jordana, Radha Mitchell
Duração: 127 min.

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