Os documentários sobre a trajetória histórica dos filmes de terror colaboram com o processo de reafirmação deste gênero cinematográfico como um dos mais bem estabelecidos na evolução da chamada sétima arte. Junto ao apelo dos fãs e da industrialização destes legados, alguns filmes estão sempre expostos na mídia, seja por “tbts” realizados no Instagram, recordações em matérias resgatadas nos confins de emissoras televisivas, material da era prévia ao processo de democratização da internet e, como já apontado, os documentários que retomam o tema para delinear as suas características e explicar os motivos de sua manutenção na memória cultural. Slice & Dice, Em Pedaços, O Pesadelo Americano são algumas realizações similares, também voltados ao processo de análise retrospectiva do terror e seus subgêneros. Num primeiro olhar, alguns podem achar que se trata de uma produção sobre o legado de Freddy Krueger, haja vista a divulgação oficial com as garras do antagonista a rasgar uma bandeira dos Estados Unidos, numa espécie de alegoria para o dilaceramento do american way of life.
O protagonista ganha um espaço sofisticado ao longo dos 96 minutos da produção, mas não é exclusivamente o foco deste filme lançado em 2009 e dirigido por Andrew Monument, realizador que se baseia no roteiro de Joseph Maddrey, escritor que traduz para o cinema o livro homônimo de sua autoria. Para reforçar as questões abordas, o documentário conta com os valiosos depoimentos de Wes Craven, John Carpenter, Tobe Hooper, Mick Garris, George A. Romero, Joe Dante, Larry Cohen, Darren Lyn Bousman, Roger Corman, Brian Yuzna, Tom McLoughlin, dentre outros, participações legitimadoras da temática, entrecortadas pela boa edição de Monument (em dupla função) mescla de entrevistas com imagens de arquivo que são contempladas pela narração também eficiente de Lance Henriksen.
Diante do exposto, acompanhamos a exposição cronológica dos filmes de terror em associação com os seus respectivos momentos históricos. Esse é o principal ponto de Pesadelos em Vermelho, Branco e Azul: A Evolução do Cinema de Horror Americano. É o ponto nevrálgico de um documentário que dialoga com as questões da elucidativa estética da recepção, isto é, a relação dos filmes e seus respectivos contextos históricos, algo que chamamos de subtexto, junto ao processo de associação não mais com o que “o autor quis dizer”, mas com o que de fato podemos interpretar de um filme conforme o nosso relacionamento interpretativo da obra. Coisas que na época de exposição podem não ser observadas por todos, no entanto, ao ser observado diacronicamente, ganham outros significados.
Assim, acompanhados pela condução musical de Paul Casper, arranjo dos depoimentos exibidos tradicionalmente pela direção de fotografia de Michael Brakowisk, seguimos pelos primeiros conflitos do século XX e a crise econômica de 1929, monstros alegoricamente apresentados pelos clássicos da Universal e outras produções estrangeiras dentro do esquema “medo e pavor”, em especial, o expressionismo alemão e suas ressonâncias mundiais. Importante saber que são citações, mas sem aprofundamento, pois como o título reforça, este é um documentário sobre a evolução do terror estadunidense. Drácula, Lobisomem, Frankenstein e outras criaturas abomináveis são retratadas, representantes da Primeira Era de Ouro do Horror no cinema.
Ao retratar a Segunda Guerra Mundial e seus desdobramentos, a era das incertezas é exposta e filmes como Vampiros de Almas e A Marca da Pantera são radiografados. Narrativas sobre monstros também são delineadas, as bases para o que se convencionou a chamar de Horror Ecológico, produções que mesclam aventura, terror e ação para nos mostrar seres humanos acossados pela fúria da natureza diante da destruição promovida pelas bombas atômicas e paranoia nuclear ao longo de toda “Guerra Fria”. Entram neste kit, A Bolha, O Monstro do Mar Revolto, O Monstro do Ártico, etc. São criaturas que se deslocam por dentro das estruturas cinematográficas e antecipam o horror diante do esfacelamento da família com o Vietnã, um dos conflitos mais devastadores na história dos estadunidenses.
Exposto o tópico, O Massacre da Serra Elétrica é a representação cabal deste conflito como subtexto cinematográfico. E com ele chegam muitos outros, numa das eras mais profícuas para o terror. É dos anos 1970 a insegurança social representada em Halloween: A Noite do Terror, a destruição da família tradicional em O Exorcista, o escândalo de Watergate simbolizado em diversas produções da época e a importação de traços do giallo para a composição do slasher, fenômeno que explode industrialmente na década seguinte, tendo como principais representantes, Freddy Krueger e Jason Voorhees, a dupla de maior sucesso, atuantes num palco que também recebeu outros figuras também icônicas, tais como Candyman, Pinhead, Chucky, assassinos da noite de natal, do reveillon, etc.
Os anos 1990 são laureados pelo horror de novos monstros assombrosos, dentre eles, Hannibal Lecter e Ghostface, personagens impactantes e abordados de maneira muito ligeira, como se o documentário fosse um texto que já teve o seu limite de linhas ameaçado e diante da situação, precisou correr para o desfecho. A relação entre Jogos Mortais e suas torturas com o contexto político contemporâneo é também revelado, mas no mesmo dinamismo que impede a produção de se aprofundar um pouco mais em temas igualmente relevantes. A Bruxa de Blair e as relações de metalinguagem e realismo são traçadas na análise, juntamente com a base de fãs do gênero terror como elemento de consolidação de legados na memória. O american way of life retratado com acidez em Psicopata Americano é outro ponto importante a ser notado.
De volta ao exposto sobre a correria ao final, é como se os resultados diante de década de horror em evolução não ganhassem um desfecho bem amarrado. A pressa, por sua vez, muda a dinâmica de exibição dos dados interpretados pelos entrevistados, mas não diminui a importância do documentário de maneira mais geral. No fim, parece que os realizadores nos mergulham numa metodologia ativa de interpretação própria de nosso contexto, afinal, estamos inseridos neste espaço, não é mesmo? A cena que encerra o material é a nebulosa passagem trágica que também fecha a trajetória dos personagens em O Nevoeiro, um dos melhores filmes de terror dos últimos anos, finalizado de maneira aberta, tal como a evolução do terror, ainda em andamento.
Ademais, de Pesadelos em Vermelho, Branco e Azul: A Evolução do Cinema de Horror Americano é tão panorâmico que avançamos em sua análise e depois retornamos com a culpa por, acidentalmente, não ter contemplado outros pontos importantes de sua reflexão, tais como a sexualidade em Carrie – A Estranha e Alien, O Oitavo Passageiro, a reação ao governo de Reagan nas narrativas do estilo slasher, a casa como espaço do horror e da vulnerabilidade nos filmes da franquia Amityville, o consumismo e a representação dos zumbis em Despertar dos Mortos, a violência dos filmes de Charles Bronson, produções que não se fixam na tradição do terror, mas que exploram um alto grau de violência que pegou muita gente despreparada na época. E, para não esquecermos, ainda há Hitchcock e a transformação de lugares aparentemente seguros em territórios do medo, como visto em Psicose e A Sombra de Uma Dúvida. Uma rica e abundante trajetória de terror merecia um formato seriado, capaz de dar conta de tantas peculiaridades. Enquanto isso, fiquemos com os elucidativos documentários.
Pesadelos em Vermelho, Branco e Azul: A Evoluçao do Cinema de Horror Americano (Nightmares in Red, White and Blue: The Evolution of The American Horror Film – Estados Unidos, 2009)
Direção: Andrew Monument
Roteiro: Joseph Maddrey
Com: Wes Craven, John Carpenter, Mick Garris, Tobe Hooper, Mick Garris, George A. Romero, Joe Dante, Larry Cohen, Darren Lyn Bousman, Roger Corman, Brian Yuzna, Tom McLoughlin
Duração: 101 min.