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Crítica | Perry Rhodan – Livro 1: Missão Stardust, de K. H. Scheer

por Luiz Santiago
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Grande Ciclo: Via Láctea — Ciclo 1: A Terceira Potência — Episódio: 1/49
Principais personagens: Major Perry Rhodan (comandante da nave), Capitão Reginald Bell (engenheiro eletrônico), Capitão Clark G. Fletcher (astrônomo), Tenente Eric Manoli (médico).
Espaço: Terra e Lua
Tempo: junho e julho de 1971

Eu sou o tipo de pessoa que dá bola para indicações. É claro que isso não significa consumo imediato da coisa indicada, mas eu sempre pesquiso sobre as coisas que me indicam. E essa pesquisa serve para eu ver onde a obra indicada se encaixa na minha lista de prioridades de consumo. Se eu realmente me interesso em conferir a indicação (às vezes ela não bate com o santo, acontece), procuro organizar e entender se ela vai para a lista de “um dia eu vejo, mas não sei quando“; se vai para a lista de “verei assim que outras urgências forem zeradas” ou se vai para a lista de “verei imediatamente“, o que é algo raro e só acontece com obras que de imediato me despertam imensa curiosidade. Pois bem, foi exatamente isso que aconteceu quando uma leitora aqui do PC me indicou a leitura de Perry Rhodan.

Eu amo ficção científica, mas nunca tinha ouvido falar nessa colossal série literária antes da indicação que a leitora me fez aqui. E realmente fiquei embasbacado ao descobrir que Perry Rhodan é um dos grandes marcos da literatura pulp alemã do século XX, um projeto de novelas que começou a ser publicado em 1961 (criado por K. H. Scheer e Clark Darlton… pseudônimo de Walter Ernsting) e que tinha uma projeção inicial para algumas dezenas de edições — chamadas de “episódios” no decorrer da saga — mas que devido ao enorme sucesso de vendas e crítica, nunca mais parou de ser publicada. No momento em que escrevo este texto (3 de julho de 2020) o projeto já está no número 3072 — sim, você leu certo: livro número três mil e setenta e dois –, sendo que há um volume novo da série saindo toda semana na Alemanha! É space opera em todos os sentidos!

Pois bem, esse colosso germânico chegou aqui no Brasil em 1966, pela editora O Cruzeiro, num volume intitulado Operação Astral, trazendo, em tradução do francês, os dois primeiros episódios do original: Missão Stardust e A Terceira Potência. A saga engrenou realmente no país a partir de 1975, quando começou a ser publicada pela Ediouro, que seguiu lançando os livros da série até 1991, encerrando no episódio 536. A partir de 2015, a SSPG Editora preencheu a lacuna publicando a partir do episódio 537 (eles já tinham projetos anteriores, lançando ciclos/episódios bem mais à frente). Eu li a edição inaugural da Ediouro, e antes mesmo de chegar à história em si, me deparei com uma das coisas mais bizarras que já coloquei os olhos em um livro, em toda a minha vida. Ali estava, muito clara, a mensagem abaixo.

Um dos avisos mais bizarros que eu já vi uma editora colocar em um livro.

Para que você entenda: Missão Stardust foi o livro onde tudo começou. É uma novela aparentemente sem grandes pretensões, mas com um desenvolvimento dramático, construção de personagens e criação de Universo capazes de fazer cair o queixo. E a divisão do livro ocorre em duas partes, a primeira chamada de A Partida, e a segunda, A Interferência. É fato que a primeira parte trata exclusivamente de “uma viagem detalhada à Lua, inteiramente fictícia“, mas não estamos falando de qualquer viagem! É justamente a viagem da nave protagonista do livro! Neste bloco temos o primeiro contato com todos os personagens humanos, passamos a observar os primeiros indícios comportamentais dos tripulantes da nave e temos uma rápida, mas bem feita representação da organização militar e tecnológica dos Estados Unidos em meados de 1971 (neste Universo, é claro), que é quando a aventura se passa. Então eu me deparo com uma edição que literalmente aconselha o leitor a PULAR todo esse contexto! É absolutamente insano.

Fui procurar algum tipo de justificativa para essa coisa hedionda e a única coisa que encontrei foi um aceno diplomático para o fato de que, no momento da publicação desse volume, a ida do homem à Lua já era uma realidade para nós e a editora possivelmente tinha pensado que o leitor acharia “cansativa” essa viagem com tantos detalhes. E se esta foi realmente a intenção, a coisa fica ainda pior. Desde quando uma editora deve achar ou não o que é “chato” ou “cansativo” para o leitor? Se um indivíduo pega um livro de ficção científica para ler, ele sabe exatamente o que tem em mãos! Se a obra é chata ou não, não cabe à editora dizer ou aconselhar nada! Uma obra deve ser consumida exatamente na forma como foi concebida! Mas enfim, exposto o meu hate (e quem discordar de mim está errado!) frente à editora, por esse aviso infame, vamos finalmente para o livro.

A tal primeira parte, que loucamente aconselharam a pular, é muito boa! K. H. Scheer cria com muitos detalhes toda a preparação da tripulação da Stardust e, como eu disse antes, faz com que esse momento seja o nosso primeiro contato com as particularidades dos indivíduos, posteriormente expandidas. Há também muitos detalhes técnicos relacionados à nave, à engenharia dos trajes espaciais, dos assentos… é um verdadeiro relatório que nos coloca perfeitamente no clima de decolagem e inclusive mostra o patamar em que está a tecnologia humana neste Universo, visão extremamente valiosa para o leitor, por questões comparativas futuras. Isso porque a tripulação terráquea irá encontrar uma espécie alienígena na Lua, os arcônidas (do planeta Árcon), dos quais se destacam dois indivíduos: Crest, o cientista-chefe, que sofre de um tipo de leucemia; e Thora, a comandante “civilizadamente preconceituosa”. Em relação a esta espécie, é importante destacar uma fala de Crest “pertenço à dinastia reinante de Árcon. Thora, também. Árcon é um mundo que fica a mais de 34 mil anos-luz daqui. […] Mais de 50 raças muito evoluídas travam guerras terríveis nas profundezas da Via Láceta. Os senhores nada sabem a esse respeito. O Sol fica muito longe do palco dos acontecimentos, encontra-se num braço secundário da Galáxia“.

Exceto por algumas estranhas elipse durante a estadia de Rhodan e sua tripulação na Lua, a segunda parte do livro é verdadeiramente brilhante. Desde o pouso forçado até a descoberta da nave arcônida, passando por fantásticas descrições geográficas da Lua, decisões estratégicas, desafios humanos e científicos, emoções de cada um dos tripulantes e do fenomenal primeiro contato entre humanos e extraterrestres, tudo nessa parte do livro nos prende de maneira absurda. E em todo esse deslumbramento dos personagens diante da grande novidade que mudaria para sempre as suas vidas e a história da humanidade, há uma discussão filosófica e antropológica que cerca o modelo civilizacional da Terra, levanta considerações a respeito daquilo que torna os humanos tão especiais e confronta isso com a decadência abobalhada dos arcônidas, uma decadência não pela luta, mas pela falta de vontade de fazer coisas, uma espécie de depressão fatal onde os atingidos só conseguem mesmo viver nos jogos projetados em uma tela (conceitualmente, lembra Star Trek: A Gaiola).

No porão de carga da Stardust, uma máquina misteriosa começou a zumbir. O terceiro poder estava iniciando as suas atividades. Perry Rhodan sorriu para o céu azul. Com movimentos lentos, foi retirando os distintivos e as platinas do seu uniforme. O major Perry Rhodan acabara de se desligar da Força Espacial dos Estados Unidos.

Essa discussão chega também a outras camadas, revelando o momento delicado da geopolítica na Terra. Nesse Universo existe uma disputa ideológica muito similar à da Guerra Fria e o grande medo é de uma guerra atômica entre o mundo Ocidental e as potências da Federação Asiática, que também estão na corrida espacial. Aliás, sabemos que uma nave da Federação decolou juntamente com a Stardust, mas explodiu no ar.

A abordagem política aqui é sólida e crítica, recebendo uma boa ligação com a própria política de conquista, leis e caminhos de sobrevivência dos alienígenas, dando para o leitor, já na reta final, uma das falas mais inspiradas de Perry Rhodan, referindo-se à divisão do planeta em fronteiras de uma forma que o coloca como um “cidadão do mundo” e mostra o quão diferente é a sua percepção para a sociedade em que vivia, para a conquista da paz mundial e união entre os povos. O desfecho é um dos melhores que eu já li. É verdade que abre a janela para a continuação da saga, mas entrega tudo o que o leitor precisa saber sobre este “começo de nova Era para a Terra” e deixa muito claro o desafio que Perry Rhodan faz aos Estados Unidos (seu país natal), para evitar que Crest caia nas mãos de alguma das potências em disputa naquele período. Um final que nos deixa extremamente ansiosos para saber o que aconteceu com os tripulantes e como de fato ocorreu o início desse novo momento de nossa História. O início da Terceira Potência.

A Stardust voltou à Terra sã e salva. Mas, para Perry Rhodan, os verdadeiros problemas e os grandes conflitos estavam apenas começando. Isto porque, com a ajuda dos avançados recursos técnicos dos arcônidas, ele pretende criar algo que deverá realizar a unificação da Humanidade: A TERCEIRA POTÊNCIA.

Perry Rhodan – Livro 1: Missão Stardust (Unternehmen STARDUST) — Alemanha, 8 de setembro de 1961
Autor: K. H. Scheer
Arte da capa original: Johnny Bruck
Tradução: Richard Paul Neto (Ediouro) e Rodrigo de Lélis (SSPG)
Editora no Brasil: Ediouro (1975) e SSPG (20/08/2021)
192 páginas

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