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Crítica | Perry Mason – 2X08: Chapter Sixteen

Simplicidade cirúrgica.

por Ritter Fan
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.

O capítulo anterior da segunda temporada de Perry Mason foi, sinto-me feliz em constatar, o único realmente fora da curva em toda a temporada e isso só se, como eu, o espectador desgostar de elementos até então alheios à trama central sendo introduzidos “de surpresa” como foi o caso do conchavo internacional entre os magnatas rivais Lydell McCutcheon e Camilla Nygaard para vender petróleo ilegalmente para os japoneses. Como disse em minha crítica passada, teria sido muito melhor que elementos dessa revelação tivesse sido trabalhados mais organicamente ao longo de toda a temporada, para evitar o despejo de tanta informação nova ao mesmo tempo. No entanto, o final quase não dependeu desse elemento para que o caso dos irmãos Gallardo chegasse a seu fim, ficando realmente apenas como um pano de fundo contextualizador.

Em uma análise rápida e rasa, o derradeiro episódio da temporada poderia ser chamado de burocrático e repleto de clichês de “filmes de julgamento”, com a abordagem da última carta na manga de Perry Mason e Della Street graças à investigação de Paul Drake com a importantíssima ajuda de sua esposa Clara que conectou o misterioso automóvel azul à Melville Phipps, fiel – mas não tanto – advogado de Camilla, permitindo o desmantelamento do esquema de chantagem, sendo típica de obras assim. Mas essa seria uma conclusão definitivamente apressada, que glosa as diversas discussões nuançadas sobre o Sistema Judiciário como um todo – e o “Sistema” em geral – que talvez mais diretamente tenha sido tema da temporada que começa e termina com a indagação sobre a “ilusão de Justiça”.

Afinal, se o episódio tivesse realmente transitado de maneira simplista pelos clichês e tropos do gênero, o final dos irmãos Gallardo seria puramente feliz, os verdadeiros vilões acabariam julgados e presos e o advogado vitorioso sairia com um grande sorriso no rosto, mas não é nada disso que acontece. O acordo que Mason e Street obtém de Ham Burger (esse nome é genial!) é salomônico, com um irmão preso por 30 anos sem possibilidade de condicional e o outro livre para viver sua vida, o que faz com que o casado e mais velho Matteo se sacrifique pelo mais novo – e com um futuro possivelmente melhor em razão de seus estudos – Rafael. Afinal, temos que lembrar que um deles, e o flashback mostra Matteo somente porque Matteo é quem conta sua versão, realmente matou Brooks e deveria ser culpabilizado independente de eventuais atenuantes, pelo que o resultado serve à narrativa com perfeição.

A perfeição do mundo real, só para ficar claro, pois, nele, os mais fracos sempre pagam pelos atos dos mais fortes e, mesmo que legalmente Matteo – ou Rafael – seja culpado, os verdadeiros culpados e por crimes que vão muito além do assassinato de Brooks McCutcheon acabam soltos mesmo que sob investigação federal (na época em que o FBI se chamava apenas BoI, ou Bureau of Investigation), com aquela indicação do roteiro que é bem mais do que apenas uma indicação de que eles até poderão ser condenados por alguma violação, mas as penas não serão muito mais do que um tapa na mão. É aí que a questão da ilusão de Justiça entra forte, com os showrunners deixando evidente que tudo o que pode ser feito é sempre buscar Justiça, mas que ela, como uma miragem no deserto, será inalcançável. Afinal de contas, se até mesmo os mocinhos da história são obrigados a cometer crimes nessa perseguição da Justiça, fica evidente que o buraco é muito mais embaixo.

E esse buraco é explorado no episódio também em outro aspecto que é raramente visto em obras do gênero, ou seja, a condenação do próprio advogado que sai semi-vitorioso por um crime que ele cometeu, mas que só foi descoberto depois do cometimento de outro crime pelo assistente da promotoria. Percebem a mecânica perversa da coisa? Claro que o episódio enquadra esse aspecto como um sacrifício nobre de Perry Mason, pois é isso que torna possível o acordo com o Juiz, no início do episódio, para adiar por uma semana o final do julgamento, mas o que Mason faz é mais do que um sacrifício; é uma verdadeira penitência que se conecta não só à ele ter escondido a arma do crime, mas também e principalmente à culpa que sente – e deve mesmo sentir, pois ele foi negligente – pelo suicídio de Emily Dodson. Sim, existe aquela simpática luz no fim do túnel na forma da professora e amazona Ginny Aimes, mas isso absolutamente faz parte do jogo.

Mas há um outro sacrifício aqui, o de Della Street. É bem verdade que ela acaba como a grande estrela do julgamento, até porque ela sabe tratar o público e os jornalistas, mas, no frigir dos ovos, considerando o poder e a ameaça nada velada de Camilla, ela precisa ceder e viver uma vida pública falsa, fingindo um relacionamento com Burger para o bem dos dois. Diferente de Mason, que tem seu sacrifício limitado a quatro meses, o de Della é eterno ou no mínimo por todo o tempo em que ela escolher ser uma advogada respeitada, algo que não será possível se sua orientação sexual vier à público.

Até mesmo Paul Drake tem um final interessantíssimo e que eu realmente não esperava. Depois de passar uma temporada inteira tendo que jogar sujo para investigar o caso dos irmãos Gallardo e se sentido mal por isso, ele sucumbe ao Sistema – olha ele aí de novo – e decide mergulhar de vez nessa visão suja do mundo, só que com o objetivo central de ajudar os afrodescendentes ao seu redor, trabalhando para o gângster local que ele, no começou, ajudou a botar na cadeia por um tempo. Se a série for renovada para uma terceira temporada – e eu espero que seja – é muito provável que os showrunners arrumem uma forma orgânica de a nova vida de Drake resvalar no caso de Mason e Street, mas eu gosto como o final de Drake não foi apenas ele retornando ao aconchego dos braços de sua esposa, mas sim negando trabalhar com Perry.

O final da segunda temporada, na verdade, soube subverter os clichês e tropos do gênero em que a série se insere, criando um encerramento sobriamente redondo, ou seja, fugindo da teatralidade, das reviravoltas de último momento e de conclusões simplistas e maniqueístas. Muito ao contrário, o que vemos é um fechamento coerente com a lógica de um mundo palpável em que nada realmente é preto ou branco, que nos obriga a navegar constantemente em mar revolto, tentando fazer de tudo para evitar um naufrágio. É fantástico ver que Perry Mason, mesmo com o soluço que foi o episódio anterior, não se deixou levar por uma corrente suave e tranquila, preferindo encarar a tempestade.

Perry Mason – 2X08: Chapter Sixteen (EUA, 24 de abril de 2023)
Showrunners: Jack Amiel, Michael Begler (baseado em personagem criado por Erle Stanley Gardner)
Direção: Nina Lopez-Corrado
Roteiro: Michael Begler
Elenco: Matthew Rhys, Juliet Rylance, Chris Chalk, Shea Whigham, Justin Kirk, Diarra Kilpatrick, Verónica Falcón, Paul Raci, Jee Young Han, Sean Astin, Matt Bush, Gayle Rankin, Eric Lange, Fabrizio Guido, Peter Mendoza, Jen Tullock, Katherine Waterston, Christopher Carrington, Hope Davis, Wallace Langham
Duração: 49 min.

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