- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.
Em minha crítica do episódio inaugural da segunda temporada de Perry Mason, manifestei preocupação sobre o quanto a narrativa ainda era apenas um esboço de uma história, mesmo que um excelente esboço. Meu maior receio era que, com apenas oito episódios, não houvesse tempo para que tudo ganhasse o devido desenvolvimento sem prejuízo para o conjunto e, principalmente, para os personagens centrais. No entanto, depois deste segundo episódio, em que as peças são todas muito bem encaixadas, essa minha preocupação mostrou-se passageira e infundada.
De certa forma, porém, para que tudo funcionasse, o roteiro dos showrunners Jack Amiel e Michael Begler fez uso de um tropo mais do que batido em filmes e séries de tribunal: a acusação de pessoas sem meios para se defender. Sem que o assassinato do milionário filhinho de papai Brooks McCutcheon levasse à prisão de Rafael (Fabrizio Guido) e Mateo Gallardo (Peter Mendoza), americanos de ascendência mexicana e, por consequência, um apelo desesperado da família deles a Perry Mason e Della Street para defendê-los, seria muito mais difícil criar a convergência narrativa necessária para, já a partir deste ponto, nossos heróis pudessem assumir o caso.
Mas é importante notar que esse artifício batido não é, de forma alguma, um ponto negativo para a temporada, pois, como eu sempre digo, o importante é como os clichês são usados. E, aqui, ele serve não só como um instrumento para colocar Mason e Street no caso, como, também, para realmente unificar as pontas narrativas que foram deixadas no episódio anterior. O melhor exemplo disso talvez seja o fantasma de Emily Dodson que ainda assombra Perry Mason e que o afastou de casos criminais. Dodson é a razão para que a família Gallardo procure sua ajuda e é, também, a razão pela qual ele inicialmente nega a ajuda e, depois, muda de ideia e arregaça as mangas para fazer uma investigação preliminar depois que seu amigo Pete Strickland aguça sua curiosidade sobre como o crime aconteceu.
Falando em Strickland, é também muito interessante como ele usa Paul Drake para seus fins escusos e o quanto isso deixa Drake ressabiado não só com Strickland, como também com o próprio Mason, especialmente se lembrarmos que Mason foi a razão pela qual ele largara seu emprego na polícia e que, depois, Mason, ao parar de trabalhar com Direito Criminal, acabou deixando-o na mão. O novo caso dos irmãos Gallardo é um recomeço para Drake que, ao que tudo indica, finalmente terá sua posição de parceiro de Mason e de Street definitivamente estabelecida.
E o que falar do que Mason e Street fazem com o inescrupuloso Sunny Gryce? Considerações sobre ética profissional à parte, foi uma jogada genial a dupla matar dois coelhos com uma cajadada só ao manipular a ambição do cliente deles para bancar o caso criminal. Com Sean Astin usando seu legado de “boamocice” para criar um personagem que faz o espectador ficar feliz em ver ser manipulado para uma causa nobre, e com a direção de Fernando Coimbra acertando em cheio no enfoque de câmera dado a ele, mais esse elemento que, no episódio anterior, parecia apenas um elemento ilustrativo sobre a injustiça do Sistema Judiciário, é costurado de maneira indelével à trama.
Houve até mesmo espaço para o lado sombrio do falecido Brooks McCutcheon viesse à tona, com Street descobrindo sobre a armação em torno das embarcações de sua propriedade e Mason e Drake partindo para investigar in loco, o que os faz mais uma vez enfrentar o corrupto detetive Holcomb. Aliás, fico muito feliz em constatar que, assim como na primeira temporada, as cenas de ação da segunda parecem que prezarão pelo realismo e discrição, sem maiores fogos de artifício para chamar atenção para si mesmas para além do necessário.
Agora posso afirmar com todas as letras que o jogo realmente começou e que o horizonte de luta de Mason, Street e Drake para defender os irmãos Gallardo está substancialmente claro, ainda que, não tenho dúvidas, veremos uma ou duas reviravoltas pela frente. Em sua segunda temporada e mesmo com a troca de showrunners, Perry Mason continua mostrando-se da mais alta qualidade sem em momento algum parecer que vai esmaecer.
Perry Mason – 2X02: Chapter Ten (EUA, 13 de março de 2023)
Showrunners: Jack Amiel, Michael Begler (baseado em personagem criado por Erle Stanley Gardner)
Direção: Fernando Coimbra
Roteiro: Jack Amiel, Michael Begler
Elenco: Matthew Rhys, Juliet Rylance, Chris Chalk, Shea Whigham, Justin Kirk, Diarra Kilpatrick, Verónica Falcón, Tommy Dewey, Paul Raci, Jee Young Han, Sean Astin, Matt Bush, Gayle Rankin, Eric Lange, Fabrizio Guido, Peter Mendoza
Duração: 54 min.