- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.
Sempre reclamo quando minisséries que deveriam permanecer como minisséries auto-contidas são convertidas, em razão do sucesso, em séries, já que, normalmente, a tendência é de queda de qualidade. Recentemente, foi assim como Big Littles Lies e também com The Terror. Mas Perry Mason que, depois de ser uma série de livros convertida em série radiofônica, transformando-se em uma série de filmes, depois duas séries de TV e, mais tarde ainda, em outra série de filmes, tem “série” em seu DNA e o trabalho que a HBO, por intermédio dos showrunners Rolin Jones e Ron Fitzgerald, vinha desenvolvendo simplesmente pedia uma nova série e essa notícia veio agora, entre os quinto e sexto episódios dessa que posso agora chamar tranquilamente de temporada de origem do icônico advogado-detetive.
E o sexto episódio é o primeiro a lidar com a “versão” original de Perry Mason que, até o final do capítulo anterior, era apenas um detetive particular desgrenhado e sujo. E o roteiro de Kevin J. Hynes não perdoa Mason, colocando-o no fogo já nos primeiros minutos do episódio, tentando fazer seu discurso de abertura em defesa de Emily Dodson e tossindo, engasgando e perdendo a voz. Nada de facilitar a vida para o personagem e, melhor ainda, nada de convertê-lo magicamente em um super-advogado da noite para o dia. Era essencial, para a credibilidade da temporada, que esse começo de Mason como advogado fosse no mínimo conturbado, senão desastroso como acaba sendo, mas não necessariamente por culpa dele, e sim pelos segredo “pecaminoso” que sua cliente escondeu dele.
Mesmo que, ao longo do roteiro, as ações de Della, Pete e também do policial Paul Drake comecem a efetivamente montar o quebra-cabeças do que aconteceu de verdade ao redor do assassinato do bebê Charlie, o objetivo do episódio é deixar evidente que a situação de Emily, apesar dos esforços valentes, mas mesmo assim quase amadores de Mason perante o juiz e os jurados, é praticamente impossível e que sua condenação é certa. E esse objetivo é mais do que alcançado aqui, em que todo o tipo de jogo sujo – dos dois lados, não tenham dúvida! – é empregado para sabotar o “inimigo”, mesmo que Deniz Gamze Ergüven não consiga fugir da estrutura básica de “filme de tribunal” tão comum por aí. Na verdade, é bem possível que a diretora turco-francesa nem mesmo tenha querido assim o fazer, já que ela já havia demonstrado qualidade de sobra nos dois episódios anteriores e provavelmente elegeu colocar Perry Mason em uma linha mais familiar pelo menos nessa sua estreia como advogado de defesa.
Os acontecimentos ao redor do julgamento são interessantes, mas o roteiro nos deixa ver apenas as árvores e não a floresta. Percebe-se que há algum esquema envolvendo terras para desenvolvimento imobiliário e é revelado que o policial corrupto Ennis parece ter agido sozinho quando assassinou os três bandidos, sem que seu parceiro soubesse o que estava acontecendo. Além disso, o envolvimento da igreja – provavelmente sem o conhecimento da Irmã Alice – é sacramentado, mas ainda faltam os encaixes que contem uma história coesa, algo que, não tenho dúvida, virá muito provavelmente já no próximo episódio, penúltimo da temporada. Será interessante ver Mason levar isso tudo ao tribunal para demolir o caso do promotor Maynard Barnes, ainda que eu desconfie que boa parte do problema será revolvido com um acordo para livrar a cara de Barnes da vergonha total.
Merecidamente convertida em série, Perry Mason continua impressionando por sua qualidade em todos os quesitos, criando uma história de origem interessantíssima para seu protagonista e lentamente transformando-o no personagem criado por Erle Stanley Gardner, mas sem que ele perca as características exclusivas, digamos assim, dessa versão da HBO. Com apenas dois episódios pela frente para que Perry, Della, Pete e Paul solucionem o caso do bebê que, diga-se de passagem, está prestes a ser “resssuscitado”, quer parecer que teremos duas semanas bem movimentadas pela frente.
Perry Mason – 1X06: Chapter Six (EUA, 26 de julho de 2020)
Showrunners: Rolin Jones, Ron Fitzgerald (baseado em personagem criado por Erle Stanley Gardner)
Direção: Deniz Gamze Ergüven
Roteiro: Kevin J. Hynes
Elenco: Matthew Rhys, Shea Whigham, John Lithgow, Juliet Rylance, Nate Corddry, Gayle Rankin, Andrew Howard, Eric Lange, Veronica Falcón, Robert Patrick, Tatiana Maslany, Lili Taylor, Stephen Root, Chris Chalk
Disponibilização no Brasil: HBO
Duração: 56 min.