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Crítica | Percy Jackson e os Olimpianos – 1ª Temporada

O jovem herói e sua boa e velha jornada.

por Ritter Fan
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Nunca li ou assisti nada da franquia Percy Jackson, mas sabia, em linhas gerais, do que se tratava a história antes de embarcar na série do Disney+ que tenta readaptar os romances de Rick Riordan para o audiovisual com envolvimento direto dele na produção. Resolvi começar com essa afirmação para ninguém esperar comentários comparativos ou saber se a temporada é uma boa adaptação do primeiro livro, O Ladrão de Raios, publicado originalmente em 2005. O que segue é uma crítica “pura” por assim dizer, já que o objetivo natural de uma crítica não é tecer comentários nessa linha – a não ser que seja a intenção do redator, claro -, mas sim saber se, independente de qualquer consideração, a obra sob análise mantem-se de pé.

E fico feliz em constatar que o primeiro ano de Percy Jackson e os Olimpianos é uma divertida aventura de amadurecimento (o bom e velho coming of age) que bebe da Mitologia Grega para formar o pano de fundo de fantasia para o jovem personagem titular que descobre que é um semideus, passando a ser caçado por uma variedade de monstros de lenda e que, depois de refugiar-se em um acampamento invisível ao mundo normal que tem como objetivo primordial justamente proteger os Meio-Sangues, filhos de deuses com humanos, precisa iniciar uma jornada típica de herói para localizar o Raio-Mestre de Zeus, que fora roubado, para evitar uma guerra devastadora entre deuses que reverbera entre os não deuses. Toda essa premissa é exposta e desenvolvida com espantosa celeridade, por vezes até mesmo com a produção pegando alguns atalhos aqui e ali, mas, no final das contas, o que vale mesmo é que o senso de aventura infantojuvenil descompromissada permanece do começo ao fim

Sem querer perder muito tempo nesse ponto, mas considerando que ele é inevitável, essa estrutura macro que descrevi acima (além de diversos outros pequenos detalhes) sem dúvida lembra Harry Potter, mas a série é mais objetiva e direta, o que é ao mesmo tempo uma característica ruim e boa. Ruim porque a abordagem é mais burocrática, mais básica, sem talvez o charme, o detalhamento e o frescor da criação de J.K. Rowling (e olha que eu nem gosto muito de Harry Potter…), mas boa porque os mistérios não permanecem misteriosos por muito tempo, o que é um gigantesco alívio para aquela rotina irritante das perguntas que ou não são feitas ou, quando são feitas, não são respondidas ou, quando são respondidas, são respondidas pela metade ou com mais mistérios, artifício que a escritora britânica – o que naturalmente sangrou para os filmes – refestelou-se em utilizar até não poder mais. Percy Jackson e os Olimpianos é “pão, pão, queijo, queijo”, sem firulas, sem interrogações que permanecem interrogações por muito tempo, o que faz da razoavelmente curta temporada de oito episódios uma rápida diversão televisiva mesmo para um burro velho como eu.

E isso sem contar que a Mitologia Grega é infinitamente mais interessante – e razoavelmente pouco usada diretamente – do que qualquer coisa que Rowling ou outro escritor que não seja do naipe de J.R.R. Tolkien possa inventar, com Riordan muito claramente demonstrando que fez sua pesquisa e efetivamente soube montar uma estrutura narrativa que se vale muito bem de um arcabouço clássico para contar sua história de crescimento, coragem e altruísmo do protagonista que, em muitos aspectos – e não sem querer – reflete a jornada de Odisseu (ou Ulisses, na variação em latim) em Odisseia, de Homero. Em outras palavras, Riordan faz um excelente trabalho de garimpo mitológico para reapresentar os deuses, deusas e outras criaturas que povoaram o imaginário de um povo por séculos e que sobreviveram das mais variadas formas por milênios, para atiçar a curiosidade de quem assista à série (ou leia seus livros, claro).

Mas nem tudo funciona na série. E os atalhos que mencionei são os maiores problemas, com eles ocorrendo de maneira mais ou menos proeminente ao longo de toda a narrativa. O que quero dizer com isso é que, talvez para encaixar o material do primeiro romance em uma temporada de oito episódios, a sensação de dilação temporal perdeu-se quase que completamente. Desde as sequências iniciais com Percy tendo visões em um passeio da escola, passando por sua mãe finalmente resolvendo contar a verdade sobre seu pai, até ele ser levando ao Acampamento Meio-Sangue onde ele nem bota os pés e já se revela um exímio espadachim capaz de matar um terrível monstro, tudo é corrido demais, o que reduz a verossimilhança da história e pede ao espectador que acredite que um garoto, em uma questão de literalmente poucas horas, saia de um desajustado na escola ao patamar de um semideus sem qualquer tipo de choque paralisante, muito pelo contrário. É a síndrome do “Vamos Nos Livrar Logo Desse Começo para Já Mergulhar no Coração da História” que cobra um preço caro ao longo dos episódios, com Percy sempre revelando-se como bom em tudo o que faz, algo que obviamente pode ser convenientemente explicado pelo pai que tem, mas que mais parece preguiça ou, mais precisamente, um roteiro escrito para mais episódios que a produtora autorizou e que teve que ser cortado na marra.

E quando eu falo “cortado na marra”, digo isso na literalidade, pois em diversos momentos da temporada é sensível como as sequências foram podadas para fazê-las caber no tempo regulamentar, o que gera pulos lógicos e narrativos que quebram a imersão na narrativa. Basta ver como o plano anti-Medusa (Jessica Parker Kennedy) é executado ou como os diálogos importantes parecem distintamente terem sido reduzidos quase que na hora da filmagem ou depois, na montagem, pois esse é outro aspecto que incomodou, ou seja, os recortes na própria película para levar Percy e seus amigos do ponto A ao ponto B da maneira mais rápida e econômica possível, sem investir tempo tanto nas ameaças ao seu redor – todas fáceis demais – quanto nos próprio personagens.

Por outro lado, eu gostei das maneiras criativas que a produção encontrou para gastar menos com computação gráfica, com o exemplo máximo sendo a passagem temporal no cassino de Hermes (Lin-Manuel Miranda) em que a simples realidade foi o grande artifício para a ilusão: cassinos são projetados para que quem está lá dentro perca completamente a noção de tempo e eu falo isso de cadeira, pois já estive em vários ao longo dos anos, mesmo não sendo jogador. E, quando o CGI é inevitável, normalmente para efetivamente mostrar os monstros mitológicos – como as Fúrias, o Minotauro, a Quimera – ele cumpre sua função na exata medida do necessário, sem ocupar mais tempo e espaço do que a ação exige. Tenho certeza de que muita gente reclamará que ou teve pouco CGI ou ele não foi tão bom, mas eu prefiro dessa forma, em que os bits e bytes não substituem tudo ao seu redor, inclusive os roteiros, somente para trazer mais “espetáculo” vazio.

E, finalmente, há a trinca principal de jovens atores que funciona muito bem. MUITO mesmo. Walker Scobell como Percy Jackson é muito eficiente na forma como ele vai da insegurança à certeza (ou teimosia) e como ele manifesta seu amor e preocupação pela mãe e seus amigos. Aryan Simhadri como Grover Underwood, melhor amigo de Percy na escola que se revela um sátiro que tem como função protegê-lo, é um excelente alívio cômico que não se perde em patetices e consegue unir a trinca sempre que necessário. Finalmente, há Leah Sava Jeffries, que vive a durona, mas meiga Annabeth Chase, que é um verdadeiro achado da equipe de escalação de elenco, pois ela consegue não só destacar-se em todas as sequências em que aparece, como ela estabelece química imediata tanto com Scobell quanto com Simhadri (e sim, ela estabelece a química e não o contrário). No elenco adulto, as diversas escalações são todas muito boas, mas não há nenhum espaço de efetivo desenvolvimento para os atores e atrizes, talvez com exceção – com boa vontade, eu sei – para Sally Jackson, a mãe de Percy vivida por Virginia Kull. E, claro, qualquer série que escala Toby Stephens e o infelizmente recém falecido Lance Reddick em papeis absolutamente perfeitos para eles (mesmo que brevíssimos), merece meu respeito.

A primeira temporada de Percy Jackson e os Olimpianos é um bom (re)começo de jornada para o material criado por Rick Riordan, que faz bem o básico, ficando evidente o quanto há de espaço para a série efetivamente crescer e mostrar a que veio nesse tumultuado e concorrido veio audiovisual voltado para os jovens adultos (ou só jovens mesmo, pois a série tem uma pegada mais infantojuvenil). Pode não ser o suprassumo televisivo – e eu nem em um milhão de anos esperaria que fosse -, mas, em termos de aventura descompromissada com uma trinca de bons jovens atores e um elenco adulto de apoio do mais alto gabarito (Glynn Turman e Jason Mantzoukas, gente!), a produção mais acertou do que errou. De minha parte, se tiver uma segunda temporada, eu sei que assistirei!

Percy Jackson e os Olimpianos – 1ª Temporada (Percy Jackson and the Olympians – EUA, 19 de dezembro de 2023 a 30 de janeiro de 2024)
Desenvolvimento: Rick Riordan, Jonathan E. Steinberg (com base em obra de Rick Riordan)
Direção: James Bobin, Anders Engström, Jet Wilkinson
Roteiro: Rick Riordan, Jonathan E. Steinberg, Monica Owusu-Breen, Joe Tracz, Andrew Miller, Craig Silverstein
Elenco: Walker Scobell, Azriel Dalman, Leah Sava Jeffries, Aryan Simhadri, Virginia Kull, Glynn Turman, Jason Mantzoukas, Megan Mullally, Timm Sharp, Dior Goodjohn, Charlie Bushnell, Andrew Alvarez, Adam Copeland, Nick Boraine, Timothy Omundson, Lin-Manuel Miranda, Ted Dykstra, Julian Richings, Travis Woloshyn, Jay Duplass, Jessica Parker Kennedy, Toby Stephens, Lance Reddick
Duração: 320 min. (oito episódios)

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