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Crítica | Pequenos Guerreiros (2021)

Um cinema de turismo e de deslumbramento infantil, se equivalendo mais que se limitando.

por Davi Lima
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Pequenos Guerreiros

Pequenos Guerreiros é um cinema turístico infantil, preservando a imaginação da descoberta e do lúdico nas visitas de viagem pelo Ceará, em um cenário  de redescoberta cultural nordestina e cinematográfica. A diretora Bárbara Cariry, com seu dotes produtivos de herança familiar, de seu pai Rosemberg (Os Pobres Diabos – 2017) e de seu irmão Petrus (O Barco – 2020), inicia seu trabalho de direção com muita consciência de todas as partes, como uma boa produtora que tem sido no cinema antes de iniciar como diretora. Ela compreende que sua obra é sobre trajetos, precisando de um panorama visual e concreto para contar mais que as palavras. É a compreensão do audiovisual em si, pois seu longa Pequenos Guerreiros se faz de imagens em transição e sons imaginativos, especialmente de caráter pueril.

A história que Bárbara escolhe contar em sua primeira empreitada na direção, parte dos conceitos básicos do movimento e do sonho, algo completamente cinematográfico de se falar. O casal Cosme (Bruno Goya) e Maria (Ana Georgina Castro), que vive de pescaria na praia, tem um sonho de viagem para Barbalha, cidade cearense do Cariri, como necessidade de pagar uma promessa geracional do pai de Cosme. O tom religioso de transição, de transformação, alinhado ao sobrenatural e onírico em ideias simples, contempla bastante a necessidade de uma base que inspire movimento para se assistir esse princípio de narrativa. 

Desde a primeira cena é bem clara a forma e os intuitos de Bárbara junto com a direção de fotografia do irmão Petrus de tornar o roteiro de passagem, de descoberta e viagem, como um road movie no Ceará, em contínuo movimento lateral. A câmera estática que vê o barco sendo levado ao mar, e depois acompanhando esse movimento de frente e fora do eixo estável, representa fortemente a ideia de tornar o simples movimento de acompanhar uma experiência do barco sendo levado ao mar. Não é esse tipo de cinematografia que transita entre a experiência e a imaginação, afinal?

Porque é a partir disso que as crianças protagonistas – Bruna (Lara Ferreira), Benedito (Juan Calado) e Matheuzinho (Daniel Almeida) – são essenciais para torná-lo do pleno movimento lateral de viagem de câmera para  algo infantilmente mais introspectivo. Quando Benedito, filho de Cosme e Maria, chama Matheus e Bruna para brincar, o resultado é eles esperarem a volta dos barcos, como uma proposta simbólica narrativa que a brincadeira seria para a terra, o interior não conhecido. Por isso, o mistério geracional em torno do Jipe, Matheuzinho falando língua alienígena e do terrorzinho spielberguiano no museu de dinossauros ao beijo inocente de duas crianças – visto por um foco de câmera numa sala de cinema desativada -; tudo isso indica o turismo cearense infantil que busca transformar a  inocência pura e imaginativa das crianças em descoberta e apreciação de uma grande brincadeira road movie.

A trilha sonora, edição de som e mixagem, para isso, são bastante relevantes. Em meio ao realismo fotográfico e planificação de cenas que parecem sempre laterais para compor o movimento constante do filme e dos personagens em viagem para Barbalha, as técnicas sonoras evoluem ao  conjugar o turismo à mentalidade misteriosa das crianças para descobertas – principalmente para Matheuzinho e Bruna. Existe uma significação que vai além do olhar, que é o primeiro passo quando se trata de cinema. Os outros sentidos do tato e audição a sétima arte se esforça para trazer, especialmente no afloramento infantil de transformação que é o caso desse filme. Por isso, a iluminação do museu apaga para criar sons de dinossauros, os livros de mapas são redesenhados para encontrar um quilombo e o panorama das paisagens cearenses são comentados e teatralizados por Cosme e Maria para as crianças.

Assim, Pequenos Guerreiros não perde seu fio de viagem, pela descoberta e pelo trajeto interiorano, mas não disfarça seu caráter turístico que vende o filme a todo tempo. Mesmo que haja o factual para ser reimaginado, os tratos culturais por vezes se tornam estranhamente documentais e pouco ficcionais, quebrando a unidade de transição e conceito imaginativo da infância. Porém, essa limitação crassa ainda é pouco para estragar a qualidade significante da direção de Bárbara em criar um Ceará, assim como cinema, em constante redescoberta na dança do Reisado e na Festa do Pau da Bandeira de Santo Antônio em Barbalha.

O filme não esquece em nenhum momento que a transição tem um fim, mesmo que ele possa ser aberto a mais aventuras. Quando os movimentos do Jipe na rodovia direcionam para a esquerda do plano fotográfico, indicam a continuidade na jornada pela famosa Estrada do Algodão no Ceará. Já para a direita, indicam um conflito de parada, como acontece em Quixadá. O começo do filme tem a premissa lateral esquerda, já seu final se deslumbra em olhar para a diagonal direita para bandeira no pau erguido em Barbalha para São Benedito. O pagamento da promessa dos pais, dito no começo da história, não é o encerramento, e sim a contemplação de uma festa anual, que permanece, mas sempre tem uma nova geração para descobrir essa cultura, como Bruna, Benedito e Matheuzinho.

Pequenos Guerreiros (Pequenos Guerreiros) – 2021, Brasil
Direção: Bárbara Cariry
Roteiro: Bárbara Cariry, Rosemberg Cariry
Elenco: Georgina Castro, Bruno Goya, Lara Ferreira, Juan Calado e Daniel Almeida
Duração: 74 minutos

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