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Crítica | Pequena História da República, de Graciliano Ramos

História do Brasil para as crianças.

por Luiz Santiago
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O contexto no entorno de Pequena História da República é muito interessante. Em 1939, o Brasil comemorava meio século de proclamação da república (dada em 15 de novembro de 1889) e, para coroar a data, a revista Diretrizes — o primeiro periódico semanal brasileiro de tendência política claramente de esquerda — promoveu um concurso que tinha por objetivo selecionar os melhores textos que fossem capazes de “ensinar” esse momento da História do Brasil para os pequenos da forma mais atrativa possível. Infelizmente, o escritor Graciliano Ramos não inscreveu os textos que preparou para o concurso. O material ficou guardado até depois de sua morte, em 1953. Há uma nota rodando por aí (e que eu não consegui confirmar de jeito nenhum, portanto, assumo como suspeita até que se prove o contrário), dizendo que o material foi publicado na década de 1960 pela icônica revista Senhor (Sr.), então pertencente à editora Delta Larousse. De todo modo, em 1962, essas crônicas infantojuvenis saíram na coletânea Alexandre e Outros Heróis, juntamente com A Terra dos Meninos Pelados (1937) e Histórias de Alexandre (1940).

Em edição solo, porém, a versão da editora Record lançada no final de 2020 foi a primeira desta Pequena História da República. E é um presente e tanto para o público, devo dizer. Em sua escrita enxuta, livre de floreios, mas com inúmeras nuances que vão da comédia à solenidade, o autor começa descrevendo o Brasil monárquico com diferentes características, brincando com o avanço da tecnologia e das percepções dos mais jovens sobre o país: “Em 1889 o Brasil se diferenciava muito do que é hoje: não possuíamos Cinelândia nem arranha-céus; os bondes eram puxados por burros e ninguém rodava em automóvel; o rádio não anunciava o encontro do Flamengo com o Vasco, porque nos faltavam rádio, Vasco e Flamengo; na estrada de Ferro Central do Brasil morria pouca gente, pois os homens, escassos, viajavam com moderação; existia o morro do Castelo, e Rio Branco não era uma avenida – era um barão, filho de visconde. O visconde tinha sido ministro e o barão foi ministro depois. Se eles não se chamassem Rio Branco, a avenida teria outro nome“.

Por terem um leque bastante aberto de abordagem, essas crônicas republicanas podem trazer opiniões políticas problemáticas, com pouco ou nenhum contexto e padecendo de problemas de exposição em aspectos históricos, políticos, sociais e econômicos. Esta problematização é válida e deve ser colocada em pauta, mas também é necessário dizer que não era a intenção do autor fazer um apanhado marcantemente historiográfico para os eventos do golpe promulgado pelo Marechal Deodoro da Fonseca, passando pela República Velha, pela Revolução de 1930 e chegando à Era Vargas, quando o texto foi escrito. É importante dizer que se trata de um projeto para crianças, e que as colocações históricas são propositalmente mais leves e superficiais aqui. É verdade que isso poderia ter sido feito de forma diferente (menos emocionada, por exemplo) e, ainda assim, manter as linhas gerais de um livro infantojuvenil. Contudo, falamos aqui de um escritor filho de seu tempo, produzindo na década de 30. Há tanto uma questão pessoal quanto uma abordagem de época que caracteriza toda a linha adotada.

Graciliano Ramos faz aqui uma obra divertida, acessível, irônica e de fácil leitura, expondo a república brasileira às suas feridas de muitos anos, aos seus preconceitos, erros, acertos e consequências a longo prazo. Do meio para o final do livro, o texto perde um pouco o brilho que encontramos nas primeiras crônicas, especialmente no aspecto cômico/irônico, mas não deixa de ser uma ótima obra. É com certeza uma leitura que pode ser apreciada por crianças e adultos, mas com interpretações ou valorização bem diferentes daquilo que é exposto. Uma pequena joia de nossa literatura cronista com mesclas superficialmente acadêmicas e uma visão às vezes considerada “subversiva“, às vezes paternalista e moral demais (como a análise para os presidentes de 1894 a 1930, ou seja, de Prudente de Morais a Washington Luís), ou mesmo marcada por erros factuais, como na análise do autor para a Guerra de Canudos, mas sempre engajante e altamente admirável.

Pequena História da República (Brasil, 1940)
Autor: Graciliano Ramos
Edição lida para esta crítica: Record (19 de outubro de 2020 — 1ª edição)
240 páginas

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