Existe uma diferença absurdamente grande entre Lar (2020) e Vida, o volume anterior de uma história do Penadinho na Graphic MSP, publicado em 2015. O curioso é que os criadores dessas tramas são os mesmos: a dupla Paulo Crumbim e Cristina Eiko, e ainda assim, eu tenho a sensação de que são criações de equipes diferentes, quando se trata de enredo. Na presente trama, começamos com um incêndio que destrói a árvore mãe onde vivia Lobi e diversas criaturas “do outro mundo”. Nós tivemos uma demonstração muito bacana desse espaço em Vida, e foi com grande surpresa e um tantinho de desgosto que eu vi a árvore ser destruída aqui, logo de cara. Mas há um propósito: o deslocamento da Turma do Cemitério para um prédio abandonado no centro da cidade (inspirada em São Paulo, mais especificamente a região da República, Anhangabaú), onde Dona Morte tem o seu escritório e onde o cerne desse enredo se desenvolve.
O retorno dos demoniozinhos trigêmeos e o incêndio na árvore mãe gera uma crise habitacional, tal qual ocorre nas grandes cidades, quando o fogo destrói casas de centenas de pessoas, e elas não têm para onde ir. Nesse aspecto, os criadores fazem um trabalho fantástico de costura sociológica, tocando em um ponto muito sensível das grandes metrópoles brasileiras, que é a ocupação de imóveis abandonados em regiões centrais. Por tabela, uma conversa sobre democratização de acesso à moradia e até de reforma agrária pode surgir daqui. O roteiro procura aliar as almas perdidas da aventura anterior com o trabalho muito intenso de Dona Morte nessa edição, trazendo também ajuda de Cranicola e até de Dona Cegonha, no encaminhamento das almas para as suas novas habitações.
Em dado momento, me pareceu estar vendo um trecho de Era o Hotel Cambridge (2016), mostrando como a vida das pessoas são transformadas nesses espaços habitacionais, e como a união de diversas famílias ou grupos é capaz de fazer a diferença em situações de crise, de intensa necessidade. Contando apenas por seus aspectos internamente críticos ou externamente relacionáveis com o nosso Universo, Lar é uma história bacana. O que vai tornando o texto menos interessante, para mim, é a interação entre os personagens da Turma do Cemitério com alguns humanos, porque o leitor fica sem entender muito bem o que os autores querem com aquilo. A nuance de ligação entre diferentes já estava dada na série, e a presença dos humanos, mais indiretamente, funcionou melhor no volume anterior, dentro de uma perspectiva cômica, que se levava menos a sério. Aqui, como o tema é mais denso e existe dor e luto, a interação entre mundo dos vivos e mundo dos mortos parece narrativamente redundante e carece de explicação, uma vez que tudo o que traz para o texto já fazia parte da dinâmica de Lar.
A melhor coisa dessa Graphic MSP é, sem sombra de dúvidas, os desenhos e as cores. Eu acho uma das histórias mais visualmente marcantes de todo o selo até o momento, com cenas de grande impacto visual e dramático, algumas no campo puramente emotivo, outras na demonstração de uma tragédia, na apresentação de fofuras, união, empatia e fraternidade entre seres de distintas realidades. Mesmo não sendo fã de todos os aspectos da história que Crumbim e Eiko narram aqui, gostei de como eles ainda conseguiram garantir momentos muito bonitos. O final com Penadinho e Alminha não me agradou, não me disse nada e me pareceu confuso em sua intenção no contexto da obra, mas eu consegui facilmente superá-lo. Ao menos no que diz respeito à parte estética, Lar é uma aventura sensacional.
Penadinho – Lar – Brasil, julho de 2020
Graphic MSP #27
Roteiro: Paulo Crumbim, Cristina Eiko
Arte: Paulo Crumbim, Cristina Eiko
Cores: Paulo Crumbim, Cristina Eiko
Editora: Panini Comics, Graphic MSP, Mauricio de Souza Editora
Páginas: 98