Embora tenha uma filmografia marcada por remontar fases e subgêneros do terror, o cineasta Ti West chegou em um momento promissor de sua carreira ao contar com uma trilogia distinta, mas que se complementa pela história dos personagens. Se em X – A Marca da Morte os aspectos do cinema subversivo de Tobe Hopper se tornaram peças para a composição de suspense na trama que se passava em 1978, ao regressar para 1918, com Pearl, West opta por se afastar do exercício de estilo e caracteriza o longa com referências mais sutis e representativas ao que compõe a personagem título.
Isso termina entregando o trabalho mais maduro de West ao deixar de lado sua identidade como diretor e permitindo a história atingir o potencial que merece, assim, o que temos em Pearl é uma aposta inversa ao que ele tem seguido. Com X, os primeiros trabalhos de Hopper serviam como pano de fundo dado o contexto subversivo que dialogavam, já o prequel, foca menos nas alusões e referências por se tratar de um estudo de personagem. Se há como resumir o longa, diria que é uma fantasia musical sobre o sonho americano e que se transforma num brutal terror psicológico. Mas seria muito pouco para definir Pearl, uma pérola que sucumbe às próprias ambições.
Ainda que se diga que Pearl é uma prequela do estilístico A Marca da Morte, estamos diante da segunda parte de uma trilogia que funciona de maneira expansiva e independente ao contar a história de duas personagens distintas (Pearl e Maxine), mas que se amparam nos caminhos opostos entre fracasso e realização, e Mia Goth é a chave que faz todo esse conceito ser possível de modo intenso, desconfortável e apaixonante. Saindo da áurea repulsiva, vingativa e banhada a frustração da Pearl que conhecemos em X, a prequela nos coloca no universo sonhador e vivido da pseudo-fazendeira que almeja se tornar uma grande estrela dançarina de palco, e o que sufoca isso, é a pressão da mãe autoritária (Tandi Wright) que impõe como única alternativa futura para a jovem os cuidados com a fazenda e ao pai doente, tudo isso frente a um cenário ameaçado pela gripe espanhola e a Primeira Guerra Mundial.
Porém, esses são apenas elementos de fundo usados superficialmente para composição da época e também como limitações para a jovem aspirante. Mesmo que o filme não trace paralelos entre as personalidades de Pearl e Maxine como em A Marca da Morte, há uma preocupação do roteiro em relacionar os acontecimentos que culminaram ao retrato decadente, frustrado e pessimista da personagem diante de uma geração aflorada sexualmente. E é ótimo como as alusões que se conectam com a aversão de Pearl, no que se refere a produção de filmes adultos, são passadas sutilmente, como se fossem uma alternativa mais palpável em comparação ao sonho de ser uma estrela de palco.
O que contrapõe as paletas de cores vivas e vibrantes do visual do filme é como todas as ambições de Pearl escapam de suas mãos na discrepância entre as expectativas e as reais possibilidades. É notável também a ideia da fantasia surgir numa forma de fuga, de esperança para consumação das ambições da personagem, além disso, dos desejos inibidos — onde entram as deturpadas referências a O Mágico de Oz com o espantalho, a fotografia que denota o technicolor. Aproveitando o visual da protagonista, é ótimo como West, com mais sutilidade em sua direção referencial, insere aspectos do proto-slasher, o que fica difícil não lembrar de Almas Mortas, por exemplo — mais pelos acenos psicológicos do que a construção de suspense em torno de assassinatos, e claro, o machado emblemático.
Fechando essas nuances simbólicas do filme, por último, podemos analisar o figurino de Pearl, mostrando que a linda peça vermelha acompanha a transformação intensa da personagem e suas variadas emoções: paixão, fúria, desejo, desamparo e descontentamento. Nessa linha, o longa traça o que seria uma desconstrução do próprio desenvolvimento ao não atribuir como clímax o teor psicológico da trama, e sim a voz da natureza e força dessa história: Mia Goth. Além do brilhantismo com o qual dá vida a protagonista, a atriz também co-escreveu o roteiro, o que aponta o porquê do filme ser um estudo de personagem, dos sonhos e fracassos de ser uma estrela.
Quando chegamos em seu desfecho, não fica difícil entender o que faz uma história que abraça exatamente o esperado sem qualquer cerimônia ser fascinante, mesmo para a insistente abordagem de queima lenta de West: a performance magnética de Goth ao criar a gigante Pearl. Antes da mórbida mesa de jantar e desconcertante créditos finais, o que coroa a prequela é o emocional monólogo da personagem; um número hipnotizante e ousado que cria um eco de simpatia e empatia numa sequência memorável para a carreira de Goth.
Pearl (EUA – 2022)
Direção: Ti West
Roteiro: Ti West, Mia Goth
Elenco: Mia Goth, Tandi Wright, Emma Jenkins-Purro, David Corenswet, Matthew Sunderland, Alistair Sewell
Duração: 103 min.