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Crítica | Passagem (Causeway)

A ponte entre fugir e permanecer.

por Felipe Oliveira
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Em sua estreia como diretora em um longa-metragem, Lila Neugebauer tem uma oportunidade promissora em mãos ao trabalhar em Passagem, um filme que fala sobre reintegração e os traumas pós-guerra. Se bem que este é um tema recorrente, porém, Neugebauer desafia-se numa abordagem mais intimista, contemplativa e sensível que concentra nas performances do elenco o coração de sua proposta, contudo, só isso não é suficiente. 

Para uma temática comumente protagonizada por homens, Causeway tem no papel central uma personagem feminina, Lynsey (Jennifer Lawrence), uma ex-engenheira militar que foi gravemente ferida enquanto servia no Afeganistão. Como Neugebauer pretende narrar esse relato sobre recuperação e trauma, pode ser percebido logo nos primeiros minutos, na sequência em que Lynsey acorda de um pesadelo. Notemos que a narrativa não incrementa nenhuma cena extra como recurso às lembranças do atentado sofrido, apenas temos para observação como tais danos afetam a protagonista física e mentalmente, tudo isso voltado em demonstrar da forma mais vulnerável e franca possível nos gestos e nuances da personagem.

É uma escolha um tanto que arriscada, não ousa propor um estudo de personagem sem oferecer muitas informações, pois, não há nada para saber além de que Lynsey foi mandada para casa para sua recuperação, e todo o resto depende de como ela conversa com seu entorno. Certo de que Lawrence está excepcional em sua performance ao transmitir com fragilidade e dor os conflitos internos de sua personagem. O olhar vazio e perdido, o constante desconforto diz mais sobre a entrega da estrela de Inverno da Alma para o papel do que o telespectador conseguir se simpatizar com o que está sendo contado.

A forma como o roteiro escrito por Ottessa Moshfegh, Luke Goebel e Elizabeth Sanders indica que seguirá uma percepção diferente no que abarca a reabilitação de Lynsey é algo que se resolve na introdução do longa que, nos dez minutos iniciais, foca no processo de fisioterapia. Com ajuda de elipses, compreende-se que Lynsey se sente pronta para tentar seguir em frente e voltar a normalidade, o que surge adiante é: para onde o filme está indo? O retorno da personagem a sua cidade natal induz à expectativa de como o passado será usado em paralelo a sua reconstrução, que marca também a dificuldade de trabalhar a coordenação motora, a concentração e memória ao dirigir, mas o incômodo que sempre volta é que pouco se sabe sobre Lynsey.

Mesmo voltando para casa, todos os esforços da ex-engenheira é de se manter isolada no local, como se isso fosse de alguma forma parecer que não estivesse realmente ali, tendo de reviver memórias do lugar de onde fugiu. É interessante como a fotografia de Diego García consegue ser pontual ao estabelecer a linha de distanciamento que há entre Lynsey e sua mãe (Linda Emond), o que é notório também nos diálogos inseguros entre as personagens. Nesse sentido, a barreira que dificulta a reaproximação é passada na interação comedida e com resistência, porém, ainda que esses exemplos chamem atenção pela atuação de Lawrence e Emond, falta no roteiro se comprometer mais com a dramatização que imprime.

O que surge em paralelo à passagem de Lynsey, o seu dilema entre permanecer ou continuar fugindo (o que entra sua busca desesperada por autorização para voltar a atuar como engenheira) é James, interpretado sensivelmente por Bryan Tyree James. É incrível como James entrega em seus papéis uma performance sempre esmagadora, e diferente de Lynsey, seu personagem não está às sombras da omissão, o que exprime uma vulnerabilidade forte ao que o roteiro revela sobre seu passado. É inegável que na escolha de Passagem de não trabalhar com mais substância e menos sugestões para a leitura em Lynsey, a química entre James e Lawrence é o que sustenta a narrativa.

A forma arranjada por Lynsey para compensar o retorno obrigatório ao antigo lar enquanto lida com o estresse pós-traumático, é na sua relação com a água, algo que ela diz gostar de ter contato. Narrativamente, isso assume até uma alegoria a como Lynsey está submersa no passado omitido enquanto não consegue superar o que tanto guarda para si isso compõe a ideia dela trabalhar limpando piscinas, representando os passos lentos de sua transição, que ganha um rumo diferente depois da conversa com o irmão. Todo o desfecho é simbólico com ela limpando a última piscina, em seguida dando um mergulho e por fim aceitando formar um vínculo em sua falha tentativa de fuga, contudo, nada escapa da sensação de que Causeway em não querer ser mais, se comprometer além do que se apoiar na potencialidade do seu elenco. 

Passagem (Causeway – EUA, 2022)
Direção: Lila Neugebauer
Roteiro: Ottessa Moshfegh, Luke Goebel, Elizabeth Sanders
Elenco: Jennifer Lawrence, Bryan Tyree Henry, Linda Emond, Jayne Houdyshell, Frederick Weller
Duração: 95 min.

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