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Crítica | Parthenope

Um estudo sobre a beleza.

por Ritter Fan
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Na Mitologia Grega, Parthenope é a sereia que, falhando em atrair Odisseu, se joga no mar e se afoga, com seu corpo chegando ao Ilhéu de Megáride que se tornaria, então, o núcleo da cidade que acabaria sendo batizada com seu nome e que hoje é conhecida como Nápoles. Em outras palavras Parthenope é Nápoles e Paolo Sorrentino usa essa base mitológica para construir sua segunda homenagem seguida à sua cidade natal, depois de A Mão de Deus, algo que ele faz contando uma história que atravessa décadas desde 1950 e que é focada na personagem do título, aqui uma belíssima mulher vivida por Celeste Dalla Porta, em seu primeiro longa-metragem.

Parthenope nasce na água do mar na costa de Nápoles, em 1950, depois que seu padrinho, que tem certeza de que será uma menina, presenteia sua mãe como uma carruagem do Palácio de Versalhes para servir como seu berço. O imagético que abre o longa, com a pomposa carruagem sendo transportada pela avenida à beira-mar da cidade italiana carrega forte simbologia que é imediatamente transportada quando o primeiro corte temporal acontece, com a narrativa passando para 1968 e apresentando Parthenope como uma jovem de invejável beleza de 18 anos que é perfeitamente consciente de que é objeto de diversos olhares tanto masculinos quanto femininos, mas que ela mesmo só tem olhos para seu irmão mais velho, em uma abordagem inequivocamente incestuosa e para o filho da empregada de seu lar, ambos também apaixonados por ela.

O que segue, daí, é uma crônica de sua vida, primeiro por seus anos adolescentes, o que inclui seu flerte com seu autor preferido, o americano John Cheever interpretado maravilhosamente bem por Gary Oldman em uma infelizmente breve participação, e também uma tragédia que muda sua vida, depois por diferentes momentos de sua vida adulta e acadêmica como pupila e admiradora de Devoto Marotta, um sábio professor de antropologia vivido por Silvio Orlando e, finalmente, já na terceira idade, quando a personagem é brevemente encarnada por Stefania Sandrelli. Mas a jornada de Parthenope é simbólica e paraleliza a vida do próprio Sorrentino, de certa forma, não sendo coincidência que o filme começa de verdade praticamente no ano em que ele nasceu, funcionando muito mais como uma maneira de abordar a melancolia de uma bela, mas perdida cidade no Mediterrâneo. Afinal, Parthenope muito mais vaga de acordo com a maré do que efetivamente tem propósitos de vida e, como pontua bem seu padrinho, ela, diferente do mito, jamais usa sua beleza arrebatadora para manipular quem quer que seja.

Além desses aspectos, interpreto Parthenope como um exercício sobre a beleza da linguagem cinematográfica em si, sobre o ator de olhar, de observar, de ver através das lentes de uma câmera. Celeste Dalla Porta, com seu “sorriso de Mona Lisa”, parece ser a corporificação do Cinema como obra de arte, como uma escultura em 24 quadros por segundo. Sorrentino enquadra Parthenope como uma literal escultura grega, daquelas que queremos nos aproximar, que queremos tocar, mas que jamais conseguimos, como uma visão angelical ou, claro, como uma imagem projetada na tela que só podemos ver e ouvir, nunca acariciar. E Nápoles, a cidade, é quase que somente fotografada por uma câmera que olha para o tão inacreditável quanto inalcançável mar e não para ela, com a direção de fotografia de Daria D’Antonio, parceira de Sorrentino nessa posição desde o filme anterior, mas em outras funções desde A Grande Beleza, fazendo de tudo para fundir protagonista e cenário em um conjunto único.

Com sua base em mito e seguindo a linguagem indireta, por vezes até surreal de Sorrentino, o longa envereda por caminhos que o espectador poderá achar estranhos e feitos somente por seu valor de choque, por assim dizer, como é a bizarra cerimônia da Camorra que Parthenope observa com um misto de repulsa e fascinação, toda a sequência da protagonista já adulta entrevistando o asqueroso arcebispo da cidade e, talvez e principalmente, a revelação da aparência do amado filho de seu professor e mentor. Tenho para mim, porém, que tudo faz parte do processo de amadurecimento da personagem – e, por vias transversas, da cidade em si – e tudo está tematicamente interligado à beleza como qualidade e também maldição, à observação e, em última análise, à emancipação de Parthenope, que apenas em uma análise com muita má vontade poderá ser chamada de mulher objeto, pois ela pode ser tudo, menos isso.

Reconheço, porém, que esse talvez seja um dos mais pretensiosos exemplares da filmografia de Paolo Sorrentino, um longa carregado de um misto de vaidade e pomposidade que por vezes afasta, mas por outras várias vezes atrai talvez justamente por isso, além de um pouco de hermetismo simbólico que exige um pouco de paciência do espectador. No entanto, Parthenope é, também, em sua maneira mais básica de encará-lo, um exercício de estilo, uma prova de que o Cinema pode e às vezes deve apenas oferecer beleza cativante para seus espectadores que preferirem ficar nessa superfície mais confortável. E, com isso, Sorrentino talvez tenha querido dizer que somente a Nápoles “de mito” é sol quente, mar azul e comida boa, pois a cidade real oferece muito mais do que apenas isso, para o mal ou para o bem.

Parthenope (Idem – Itália/França, 2024)
Direção: Paolo Sorrentino
Roteiro: Paolo Sorrentino
Elenco: Celeste Dalla Porta, Stefania Sandrelli, Gary Oldman, Silvio Orlando, Luisa Ranieri, Peppe Lanzetta, Isabella Ferrari, Lorenzo Gleijeses, Daniele Rienzo, Dario Aita, Marlon Joubert, Alfonso Santagata, Biagio Izzo, Paola Calliari, Nello Mascia, Silvia Degrandi
Duração: 136 min.

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