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Crítica | Para Onde Voam as Feiticeiras

Performance como política e a imprevisibilidade de filmar na rua.

por Michel Gutwilen
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Se Era OHotel Cambridge era sobre espaço privado; Para Onde Voam As Feiticeiras é uma obra sobre espaço público, sendo a resistência aquilo que faz a ponte entre os dois filmes da diretora Eliane Caffé, que agora conta com a co-direção de Carla Caffé e Beto Amaral. Porém, enquanto o longa de 2017 desafiava os limites da fronteira entre os modelos ficcionais e documentais, aqui o ponto de tensão pende mais para outro elemento do fazer fílmico. Dialogam a performance encenada e a própria produção da equipe juntamente com as pessoas do dia-a-dia, ou seja, não esperadas e imprevisíveis que não podem ser controladas, mas apenas filmadas e registrando tudo nesta espécie de microcosmos.

Tal como o MST naquele filme, em Para Onde Voas as Feiticeiras um grupo performático composto por indivíduos de grupos minoritários — indígenas, negros, LGBTQIA+, transsexuais — finca suas raízes em um lugar para chamar de seu. Não é em um prédio, mas no meio de uma rua movimentada, provavelmente em algum centro da cidade. Somente o fato de já desafiar a lógica de uma sociedade baseada no fluxo constante de pessoas já é algo responsável por chamar atenção de alguns transeuntes. Afinal, quem são aquelas pessoas paradas? E assim, a partir da simples curiosidade, alguns param e assistem as performances. Só que naqueles cantos, improvisos e um leque de fantasias performados, conteúdos políticos vão chegando ao povo de maneira acessível. É como se houvesse um convite para que o acaso deixasse a trama progredir a partir do imprevisível do encontro entre Cinema e Mundo. Então, não só integram ao “elenco” o grupo de performers, mas também pessoas aleatórias que passam a fazer parte daquela indignação política coletiva. 

No entanto, pessoas indesejadas também se tornam “antagonistas” involuntárias desta obra. Preconceituosos surgem para atacar o grupo e isso acaba sendo integrado a própria narrativa, evidenciando um caráter muito imprevisível deste estilo de filme na rua. É corajoso e essencial que os diretores não tenham cortado esses momentos, pois está na própria essência temática do longa o ato de resistir. Em uma esfera, a resistência político-social dos protagonistas lutando por seu reconhecimento na rua através dos seus corpos. Enquanto em outra, uma equipe de produção batalhando para garantir a execução de seu trabalho, o que basicamente se prova uma personificação de um Cinema Brasileiro Contemporâneo que precisa lutar para sobreviver.  

Curioso notar como se trata de um filme que nunca quer que nos esqueçamos aquilo que ele é. Os microfones nunca são escondidos para fora do quadro, a quarta parede constantemente é quebrada a partir das performances e imagens de arquivo surgem no meio da montagem para alternar com esta ocupação da rua. “Cinema não é teatro” diz uma das personagens. São exemplos como estes, e que me fazem retomar ao trabalho de Caffé com seu longa anterior, é que existe aí uma própria autoconsciência sobre como o cinema integra a luta das minorias, sendo uma de suas principais armas. Para se chegar a mensagem almejada, os artifícios cinematográficos serão usados, como na forte transição de plano no qual uma alegre performance logo dá espaço a um outro plano de uma mulher negra sangrando após ser agredida no metrô. 

Por um outro lado, há também um questionamento cético sobre o próprio cinema e sua função dentro da luta das minorias. Filma-se verdadeiramente uma espécie de briga entre atores e realizadores, pois estes seriam privilegiados e não saberiam exatamente o que é sentir na pele tudo aquilo que eles filmam. Isso gera o interessante processo de também ser um “filme sobre fazer filme”, quase como se o “making-off” daquela obra já fizesse parte de sua narrativa, em uma decisão ousada de inserir tal embate no corte final pois não nega que já há falhas estruturais na própria feitura de cinema dentro de um contexto que ainda há muitos diretores brancos fazendo filmes sobre minorias nas quais não fazem parte. Um belo exercício de autocrítica que é compartilhado ao espectador e faz o filme parecer minimamente mais honesto de suas intenções.

Para Onde Voam as Feiticeiras — Brasil, 2020
Direção: Eliane Caffé, Carla Caffé, Beto Amaral
Roteiro: Eliane Caffé, Carla Caffé, Beto Amaral
Elenco: Ave Terrena Alves, Fernanda Ferreira Ailish, Gabriel Lodi, Mariano Mattos Martins, Preta Ferreira, Thata Lopes, Wan Gomez
Duração: 89 min.

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