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Crítica | Papa-Capim – Noite Branca

por Luiz Santiago
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Noite Branca, o 11º álbum do selo Graphic MSP, é o volume mais diferente de todos. Com roteiro de Marcela Godoy e arte de Renato Guedes, a aventura foi vendida como uma obra de terror e coloca o Papa-Capim contra os Noite Branca, monstros que misturam o ideal europeu de vampiro mais a lenda indígena dos tatus brancos. O resultado é realmente bom, mas não deixa de decepcionar um pouco, talvez pela expectativa ligada ao terror ou talvez por alguns elementos pouco trabalhados na história que dão a aparência de descuido, algo não muito simpático em um projeto desse porte. Diferente de Louco – Fuga, outra história um pouco aquém do esperado a despeito de seu enorme potencial, as pontas soltas em Papa-Capim – Noite Branca estão no geral da história, que se perde um pouco em idas e vindas.

Marcela Godoy consegue criar uma trama interessante, que de fato se diferencia de todos os álbuns do projeto até agora pelo teor de violência e também porque as coisas não dão exatamente certo para todo mundo no final — de fato há gente que morre na trama e o texto fala, dentre outras coisas, de canibalismo, ataques, possessões… ingredientes que integram o universo do terror e que não imaginaríamos fazer parte desse universo * das MSP –, mas no fim, a história acaba não completando totalmente o leitor porque claramente obedece a limitações do formato, pelo que não podemos exatamente colocar o peso inteiro no roteiro, mas acabamos estacionando nele, como uma armadilha.

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Não sendo essas publicações um one-shot livre, cada autor precisa limitar suas ideias em setenta e tantas páginas para caber no número correto com que esses livros têm chegado ao mercado. Algumas vezes isso dá certo, outras vezes não. E no caso dessa história do Papa-Capim, muito poderia ser conquistado caso o roteiro pudesse se estender mais nas duas colunas que dão base para drama: o cotidiano do curumim e a presença dos bichos malignos nessa realidade.

Aqui, nós conhecemos pouco desse cotidiano do personagem e, com isso, perdemos referenciais iniciais de peso, além da falta de um maior contato com alguns coadjuvantes nesse cenário. Jurema é o caso mais grave. Ela aparece aqui apenas para constar sua presença, porque é alguém importante no universo do Papa-Capim, mas não possui absolutamente nenhum impulso narrativo ou ação notável em todo o enredo. O Pajé aparece um pouco mais, mas também não é trabalhado a contento. Cafuné, por ser o melhor amigo do protagonista — e porque a história trata de questões fraternais de convivência (homem + natureza / irmãos) — é quem ganha o melhor espaço na trama depois do protagonista e, inclusive, é utilizado como “arma” do Noite Branca mais antigo para enganar Papa-Capim.

A arte de Renato Guedes é digna de admiração, mas não exatamente no início do livro. O leitor precisa de um pouco de tempo para se acostumar com o seu realismo e as cores dele e de Diogo Nascimento e Paula Goulart. Na verdade, os desenhos funcionam muito mais para os indígenas e bichos do que para as criaturas e para as paisagens, com uma única exceção: toda a diagramação e excelente fluxo de ideias na página dupla e vermelha dentro da Cobra Grande. Além da beleza, as nuances dentro da mesma paleta, a organização das ideias e o modo como as cosas se resolvem ali estão entre as melhores coisas desta edição.

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A luta final garante tensão e engajamento do leitor, que fica curioso para saber como Papa-Capim irá resolver o caso dos Noite Branca e livrar [parte da] aldeia. Os quadros de manipulação da natureza funcionam em todo o processo (uma mistura bem legal de Monstro do Pântano com Homem Animal) e a armadilha, apesar de um pouquinho confusa, acaba tendo sentido e resultado desejado. Todavia, mesmo nesse final, a impressão de que falta alguma coisa para compor a história nos ataca de frente.

Com um roteiro que respeita e prima por quadros silenciosos (escolha louvável de Marcela Godoy) e com um bom dedo de terror na história, Papa-Capim – Noite Branca é uma aventura com cara de raízes do Brasil e que até certo ponto se destaca, mas não é o melhor álbum do selo — e em minha leitura, sofre tremendamente com a limitação deste formato –, mas tampouco é uma história a ser desprezada. Torço para que seja um passo inicial para que o curumim ganhe uma outra saga, no futuro, na qual possamos mergulhar mais e ver os personagens com a graça que eles possuem em sua versão original.

Em tempo: eu não gostei nada da capa oficial. A do primeiro teaser do projeto, com o personagem e seu arco contra a luz da Lua, cairia muito melhor!

* O leitor pode até trazer à tona o álbum Penadinho – Vida, mas o terror dessa publicação é bastante diferente daquele que temos aqui em Noite Branca.

Papa-Capim – Noite Branca (Brasil, 2016)
Graphic MSP #11

Roteiro: Marcela Godoy
Arte e cor: Renato Guedes
Cor base: Diogo Nascimento, Paula Goulart
Letras: Tainan Rocha
82 páginas 

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