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Crítica | Pânico VI (2023)

Felizmente, Ghostface foi longe demais.

por Felipe Oliveira
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Considerando o trabalho dos diretores Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett, o que deixou Pânico (2022) na sombra do que poderia ter sido, foi o fato do roteiro não ter conseguido equilibrar o comentário meta sobre requels ao se prender tanto ao filme original, o que deixava a dúvida do que fariam se tivessem mais soltos em dar continuidade a franquia sem a pressão de honrar o que foi feito. Embalando altas expectativas com um sexto capítulo, Pânico VI chega espelhando seu exercício metalinguístico como a continuação do chamado sequência-legado e numa abordagem corajosa, ao menos inicialmente, no entanto, se contenta em levar a saga pelo caminho na nostalgia em vez de explorar novas possibilidades.

Mudar para Nova York é a grande promessa aqui para o velho e o novo público, aliás, é nesse envoltório que James Vanderbilt e Guy Busick tem investido para a franquia desde que assumiram o cargo de roteiristas: um argumento metalinguístico que dialoga menos sobre o subgênero slasher, mas direciona sua reflexão para cultura pop e a relação e reação da audiência com o que tem consumido algo parecido com os dois primeiros filmes. Essa proposta é muito bem estabelecida na criativa cena de abertura, que por sinal, pode ser tida como a mais longa, porém, detém o caráter de apontar para os rumos que o slasher satírico iniciado em 1996 está promovendo: a subversão das regras do próprio universo. Uma boa abertura que se preze em Scream define a proposta da vez, e no caso em questão, é sobre as quebras de expectativas do que o público conhece, afinal, não é mais um filme que está criticando a subcategoria a que pertence, e sim sendo desafiado a corresponder às regras da audiência que não só sabe como uma sequência deve ser, mas teoriza e surta com reviravoltas e referências nostálgicas.

A cena inicial é ótima em queimar, com diálogos pontuais, os mecanismos metas conhecidos da franquia, o que faz pensar o que será feito uma vez que o público, que sabe das regras, irá ver mais a frente. Se a abertura de Scream 2 refletia o tratamento banal aos feitos de Billy e Stu com a chegada de Stab, Pânico VI pega a tradição das aberturas e contraria tudo o que podia se esperar apresentando um Ghostface que está escrevendo as próprias regras de forma brutal e imbatível. Essa síntese é reforçada com a dinâmica irônica das diferentes versões de máscaras que vemos o vilão utilizar, justamente por reunir o conceito de alguém que está desconstruindo os atributos de personificação do Cara de Fantasma definidos da franquia. O mascarado é algo diferente, em função de ser um carrasco assassino de filmes slashers sem qualquer traço dos trejeitos atrapalhados.

Ao mesmo tempo que o roteiro constitui uma nova personalidade para o Ghostface, faz o melhor proveito de como ser uma sequência-legado de uma franquia prestigiada. Então, ao contrário do repeteco repetitivo do primeiro filme, Scream VI se conecta com os quatro longas iniciais, mas principalmente, traça um paralelo atualizado de Pânico e Pânico 2, pois não se trata de uma continuação que precisa superar o primeiro, e sim, do novo capítulo requel para a safra nisso, fazendo uma divertida autorreferência. O texto articula a metalinguagem de modo mais autoconsciente e dinâmico compreendendo que o filme, de um jeito ou de outro, é parte da agora subfranquia.

Depois de muito tempo na saga, o texto volta a contextualizar os espelhamentos da mídia em cima de tragédias, adicionando a isso o advento das redes sociais, o que é coerente para os desdobramentos dos eventos em Woodsboro, que se passando um ano, o quarteto de sobreviventes tenta virar a página na cidade de Nova York. Se a discussão em Scream 2 era também sobre filmes slashers criarem psicopatas, os três dias de terror vividos por Sam, Tara, Chad e Mindy refletem as proporções que isso vai ganhando online, além do consumo maior de documentários sobre crimes reais, por exemplo — pela primeira vez sem nem utilizar Stab como uma reflexão do filme dentro do filme, o longa contempla essas consequências.

O roteiro segue a lógica de trabalhar o comentário metalinguístico em segundo plano, com acenos mais espontâneos à franquia como a trilha sonora que remete a música criada por Marco Beltrami mas sem tornar essa uma função para o Ghostface de novo, como Pânico 2. Enquanto isso, o vilão faz muito mais chamadas, com falas afiadas e espalhando o caos com set pieces inusitadas ao universo Scream e é dessa forma que o filme disfarça a autorreferência, com as facadas brutais do Cara de Fantasma, quase que onipresente na Big Apple. Há um equilíbrio notável entre terror e desenvolvimento da trama e personagens que, com certeza, é o que mais funciona no filme ao ter essa abordagem como prioridade. Em alguns momentos, Pânico VI se assemelha a um thriller de ação que, quando abraça a adrenalina, faz disso uma fagulha de tensão e cenas mirabolantes, mas ao invés de tiros, porrada e explosões, o longa carrega um tom mais visceral com cenas gráficas, além de compor uma proposta em que a brutalidade é mais sentida, e até mesmo, se abre como um elemento que caracteriza o sexto capítulo.

O equilíbrio desarmônico de reunir novos personagens com o elenco legado anteriormente é compensando aqui ao ter um roteiro que demonstra caminhos melhores para apresentar não só rostos inéditos, mas uma ambientação com riscos maiores para serem distribuídos.  E a dupla de diretores desempenha uma parceria contagiante ao deixarem o elenco mais a vontade em suas performances a exemplo dos momentos de humor de Tara que o que é notável na combinação de diálogos ágeis e chases scenes,  sendo a melhor ilustração disso Courteney Cox e sua Gale Weathers. A sequência é mais uma clara homenagem a Wes Craven, nesse caso, a sua inesquecível direção no trecho em que a jornalista era perseguida num estúdio em Pânico 2, porém, aqui, Gale protagoniza quase dez minutos de uma cena tensa e que faz jus a essa personagem icônica.

Talvez, o ato final seja um divisor de águas não pela revelação que foca mais em intensificar as homenagens à saga mas a justificativa se deve às escolhas para o desenvolvimento do escopo mais denso para o arquétipo de final girl que o slasher reúne. O terceiro ato faz rapidamente o esperado para um filme Pânico, porém, dedica momentos a mais para subverter as expectativas do que foi o jogo de suspeita óbvio demais para um Ghostface insano. É empolgante o acerto que o longa desempenha com os personagens, onde, finalmente, podemos sentir que há personalidade envolvida no processo, sendo isso visível na performance cativante e autoconsciente de Melissa Barrera em sustentar uma personagem repleta de bagagem, compartilhando um protagonismo dramático e sensível ao lado de Jenna Ortega.

Ghostface vai para Nova York protagonizando um capítulo violentamente intenso e, pelo demonstrado, a pretensão é de levar a saga para caminhos mais independentes com o conhecido vilão ganhando diferentes nuances. Muito mais consciente do seu argumento, Pânico VI presta uma homenagem refrescante e esboça o apreço dos diretores pela franquia, acenando gentilmente que um filme Scream é meta, mas também pode ser diferente.

Pânico VI (Scream VI – EUA, 2023)
Direção: Matt Bettinelli-Olpin, Tyler Gillett
Roteiro: James Vanderbilt, Guy Busick
Elenco: Melissa Barrera, Jenna Ortega, Courteney Cox, Jasmin Savoy Brown, Mason Gooding, Hayden Panettiere, Devyn Nekoda, Josh Segarra, Jack Champion, Liana Liberato, Tony Revolori, Samara Weaving, Dermot Mulroney
Duração: 123 min.

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