Um ano antes de nos trazer Uma Rua Chamada Pecado, Elia Kazan dirige um filme com uma simples premissa, mas cujo desenvolvimento adota uma maior complexidade que se estende para a construção de seus personagens. Em Nova Orleans, um jovem policial deve impedir um possível epidemia. Para isso, ele deve capturar as pessoas que entraram em contato com o primeiro hospedeiro, que agora jaz morto, vítima de dois tiros.
A trama tem início nos mostrando o ocorrido. Um armênio gravemente doente, envolvido com criminosos, acaba sendo morto. Algum tempo depois a polícia o descobre no leito do rio e cedo descobrem que há algo de errado com o corpo. Sabendo disso, chamam o doutor Clinton Reed (Richard Widmark), que trabalha para o governo no controle de doenças. Kazan, contudo, leva seus primeiros minutos com calma, dando a devida e cuidadosa atenção a cada um de seus personagens. Vemos Clint e sua família, sua relação com sua mulher e filho ilustrando essa outra faceta de um homem também implacável em seu trabalho. São detalhes como esse que dão vida aos elementos na tela de Elia e sua direção garante não só a profundidade de cada um desses indivíduos, como a total atenção do espectador.
Mesmo as mais simples sequências (do ponto de vista do roteiro) são uma verdadeira maravilha de ser ver. Trabalhando com pontuais planos sequências, Kazan dá um notável ar de naturalidade para suas cenas e transmite, de forma única, uma mistura do clássico drama americano e um realismo à frente de seu tempo. O roteiro de Richard Murphy ainda acrescenta uma notável coesão aos diálogos, inserindo elementos em determinado momento que somente são resgatados minutos após, nos passando uma nítida sensação de que os personagens realmente vivem aquilo e são afetados por cada ação e reação dentro da trama.
Dito isso, partimos dessa introdução do protagonista para a problemática central: a busca pelos envolvidos no assassinato, a fim de evitar posteriores contágios. A tensão é rapidamente inserida no ar e vai tomando maiores proporções conforme avançamos na projeção. O pânico nas ruas que o título sugere, é o que o médico procura evitar e com ele temos o capitão da polícia local, Tom Warren (Paul Douglas). A relação entre os dois é trabalhada organicamente e a inimizade inicial vai dando espaço para traços de amizade, que, quando percebemos, já está presente na segunda metade da obra. São dois homens que desejam fazer o seu trabalho da melhor maneira possível e não necessariamente concordam um com o outro.
O foco em ambos acaba sendo interrompido, pontualmente, pelo ponto de vista dos criminosos envolvidos no incidente. À princípio tais cenas soam desconexas e desnecessárias dentro do cenário geral, mas, conforme nos aproximamos do fim, passamos a enxerga-las como essenciais para o desenvolvimento da narrativa – em especial para um mais dramático desfecho.
Infelizmente, contudo, esses minutos finais acabam nos deixando no desejo. Com uma perseguição demasiadamente longa, apesar de bem conduzida, o clímax acaba se desconstruindo e não nos causa o menor impacto. O resultado chega a ser óbvio e simplesmente pulamos da beira do ápice da tensão para depois dela. A sensação deixada é que algo está faltando nesses minutos finais, em especial diante da fluida construção da história até então.
Esse fator, porém, é apenas um detalhe perante a nítida qualidade da obra. Elia Kazan consegue nos prender com sua precisa direção até o fim – o deslize final é consequência do roteiro, que, ainda assim, foi condecorado com o Oscar. Pânico nas Ruas, sobretudo, ainda nos traz uma problemática bastante em voga atualmente, com obras como Contágio e The Strain (ao menos seu início), que lidam com a velha premissa da epidemia.
Pânico nas Ruas (Panic in the Streets – EUA, 1950)
Direção: Elia Kazan
Roteiro: Richard Murphy
Elenco: Richard Widmark, Paul Douglas, Barbara Bel Geddes, Jack Palance, Zero Mostel
Duração: 96 min.