Pam & Tommy é uma daquelas obras que acaba se tornando o que está criticando. A intenção temática é clara: fazer uma observação social da cultura de celebridades nos anos 90, dando destaque para o escrutínio que pessoas famosas começaram a receber da mídia e do grande público com o crescimento da internet e o interesse popular na vida privada de quem alcançou a fama. Para isso, o showrunner Robert Siegel utiliza um dos eventos mais estranhos da década: o roubo e a distribuição da fita de sexo entre a atriz Pamela Anderson (Lily James) e seu marido, Tommy Lee (Sebastian Stan), famoso baterista do Mötley Crüe. Dessa forma, a história também faz ponte com a explosão da indústria pornográfica no início da Era da internet e toda a pirataria virtual que acompanhou sua expansão. É uma proposta bem interessante, não? Conceitualmente falando, sim.
A execução, porém, é estranha. Tanto o roteiro quanto a direção de Craig Gillespie nos três primeiros episódios delineiam um tom entre comédia e drama para a minissérie, algo que o cineasta havia feito em Eu, Tonya. Existe um aspecto ao mesmo tempo curioso e bizarro na mistura, se aproveitando de uma situação real absurda para proporcionar humor, mas também puxando uma linha crítica e dramas internos. A combinação funciona melhor no filme protagonizado por Margot Robbie, mas aqui em Pam & Tommy gera uma mescla confusa. A proposta é expor como o casal de celebridades estava além de seus estereótipos de objetificação sexual e rockeiro maluco, e também como tínhamos dois seres humanos em um relacionamento passando pela humilhação nacional, mas a abordagem cômica sempre volta às caricaturas.
Assim sendo, retorno à linha inicial da minha crítica. Pam & Tommy acaba se tornando o que está criticando, porque nunca passa do ponto superficial em análise. A mídia pintava o casal como degenerados que mereciam ter atos privados expostos publicamente? Ora, os três episódios iniciais dirigidos por Gillespie focam em nudez e sexo explícito sem nenhum tipo de necessidade ou contexto, dispondo de longas sequências de pura vergonha-alheia. O público masculino enaltecia o membro sexual de Tommy? Ah, Gillespie decide produzir um momento bizarro em que vemos o baterista conversando com seu pênis gigante, com direito a vista em close-up para pelos pubianos, testículos e toda a genitália de Tommy em sua gloriosa recriação em CGI. Acredito que a minissérie se fortalece quando assume uma direção oposta, mais reflexiva do que “cômica”. Vi muitas pessoas chamarem a obra de incômoda, mas para mim tudo soou bobo, reforçando estereótipos, e mostrando personagens sem nuances ou desenvolvimentos dramáticos, principalmente o vazio Tommy Lee.
Para o mérito de Pam & Tommy, a narrativa fica gradativamente melhor com a saída de Gillespie e a entrada de algumas diretoras femininas. Vemos um pouquinho de dimensão para Pamela e a humilhação que a personagem passa na televisão, em revistas e no meio judiciário, mas nada realmente impactante, sendo que o texto reduz Pam a uma vítima sem complexidade ou personalidade. Além disso, sinto que falta um rigor da direção, como, por exemplo, na sequência da atriz sendo assediada e desmoralizada num depoimento, em que a direção falha em captar a sensação desagradável visualmente, desperdiçando a ótima interpretação de Lily James e sua linguagem corporal. O mesmo vale para o restante da produção, que se nos três primeiros episódios dispõem de uma direção estilizada (num aspecto ruim) de Gillespie, posteriormente se torna uma narrativa branda, passando por eventos da história real como um documentário didático em plano médio, sem se aprofundar em personagens, temas ou situações.
Nesse aspecto, vejo dois grandes problemas no enredo. O primeiro é a escolha por oito capítulos e não apenas um longa-metragem, considerando que a premissa e o desenrolar da trama não tem substância o suficiente para segurar uma narrativa do porte de uma minissérie. Em segundo lugar, dentro do tempo avantajado, o roteiro pouco explora seus elementos mais interessantes, como a recepção da mídia que vem em doses esparsas; a carreira de Pamela no seriado Baywatch e o por trás das cenas da indústria cinematográfica; ou então a dinâmica de Tommy com sua banda e profissão musical. Pouco temos de construção individual da dupla protagonista para que nos importemos com as consequências do escândalo e o drama matrimonial. E o pior, todo o tempo roubado deles vai diretamente para a estranhíssima subtrama de Rand (Seth Rogen), o personagem que roubou e divulgou a fita, forçando empatia sem ambiguidade goela abaixo na audiência com péssimos flashbacks e uma linha narrativa idiota de “comédia de assalto” e máfia (?) na trajetória criminosa do ladrão “injustiçado”.
Pam & Tommy é uma sucessão de escolhas erradas, desde a narrativa alongada, a abordagem caricatural, até o tom desequilibrado entre comédia e drama que não deixa a minissérie propor uma discussão dramática bem-composta. Em suma, temos um pastiche com este falso aspecto de “drama sério” na sua execução leviana dos temas e contextos históricos apresentados. Parece que obviedade e futilidade se tornaram “incômodos” agora, ein? Sentir qualquer nível de desconforto temático nesta obra maçante, didática e explicitamente vergonhosa, me soa como extrema ingenuidade de quem prefere críticas rasas e hipócritas. Lily James, junto do design de produção e o trabalho de maquiagem, são os únicos pontos de qualidade em um escândalo que não deveria ter sido adaptado, pelo menos não dessa forma.
Pam & Tommy — EUA, 2022
Criação: Robert Siegel
Direção: Craig Gillespie, Lake Bell, Gwyneth Horder-Payton, Hannah Fidell
Roteiro: Robert Siegel
Elenco: Lily James, Sebastian Stan, Nick Offerman, Seth Rogen, Taylor Schilling
Duração: 10 episódios de aprox. 60 min.