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Crítica | Palm Royale – 1ª Temporada

O lixo luxuoso.

por Ritter Fan
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Se eu for realmente parar para pensar, suspeito que não conseguirei dizer o porquê de eu ter começado a assistir Palm Royale. Afinal, comédia não é lá muito minha praia, não gosto de Kristen Wiig, que protagoniza e produz a série, e confesso que acho o conceito do ex-Menudo Ricky Martin como ator uma ofensa à profissão. A única coisa que eu sei é que comecei a conferir a série e, mesmo encontrando dificuldades para passar do primeiro episódio, quando comecei o segundo, não parei mais até chegar ao último, o que não é atestado de absolutamente coisa nenhuma, a não ser que a série desenvolvida por Abe Sylvia a partir de romance de 2018 escrito por Juliet McDaniel, de alguma forma improvável, funcionou para mim.

A história é, na superfície, sobre alpinismo social, com Maxine Dellacorte-Simmons (Wiig), que casara com um homem sem dinheiro algum, mas que é potencial herdeiro da fortuna da família Dellacorte, suja matriarca Norma (Carol Burnett, um show à parte) está às portas da morte, fazendo de tudo para ser aceita no exclusivíssimo country club Palm Royale, na Palm Beach de 1969. Literalmente pulando muro para entrar lá e não demorando a ser desmascarada pelo diretor com a ajuda do barman Robert Diaz (Martin), que faz vezes de segurança e pool boy, Maxine não desiste até forçar sua permanência por ali, o que acontece bem cedo na temporada, abrindo então espaço para a narrativa que está abaixo da superfície, uma repleta de futilidades, traições, manipulações e dinheiro sendo usado como meio de opressão – sem novidades aí, lógico – por uma comunidade fechada de milionários que vivem como se estivessem em outro planeta a ponto de fazer de Maxine a heroína da história toda, mesmo com suas graves falhas de caráter.

O que é mais interessante na série é o quanto a direção de arte realmente cria um microcosmo suntuoso de clubes, mansões, carros e vestidos caríssimos em um interminável e vistoso desfile de cifrões e de narizes em pé, com a podridão de tudo isso ficando às claras para quem quiser ver até mesmo nas estampas alegres e vibrantes dos figurinos, mas que fica ainda mais claro quando o “submundo” milionário passa a ser lentamente descortinado, o que conta com o retorno definitivo do marido de Maxine, o piloto comercial Douglas Darby Dellacorte-Simmons (Josh Lucas) e com o início de uma hesitante amizade da protagonista com a hippie ativista que dá palestras em uma livraria Linda Shaw (Laura Dern com um hilário penteado com uma enorme franja que, não sem querer, a faz parecer um cachorro de madame) que, porém, também esconde um passado do qual quer fugir. E isso sem contar com a vilania das “esposas” ricas que passam os dias não fazendo nada além de organizar festas beneficentes que de realmente beneficentes nada têm, valendo especial destaque para Evelyn Rollins (Allison Janney em uma deliciosa atuação).

Mesmo que por vezes não fique claro se o texto satírico realmente quer demolir a alta sociedade, não deixando pedra sobre pedra ou encontrar maneiras para elogiar a elite – o fato de a protagonista ser uma alpinista social cria, querendo ou não, uma simpatia por esse desejo de fazer parte de um círculo exclusivo e fechado -, Palm Royale tem o exato visual que precisa ter, ou seja, o do luxo extremo decadente que muitas vezes resvala no ridículo e outras tantas ultrapassa-o completamente. É como a encarnação audiovisual da velha dicotomia entre o luxo e o lixo que, aqui, ganha uma paridade invejável graças a um cuidadoso trabalho de reconstrução de época com figurinos e penteados deslumbrantes, mansões espetaculares e automóveis sensacionais que chamam enorme e proposital atenção para si mesmo, dando aquela impressão de um castelo ou uma cidade retirada diretamente de um conto de fadas da Disney, em um contraste forte com o realismo pesado de séries como Succession, por exemplo.

Ricky Martin encarna, quase que completamente sozinho, o lado “pobre” da narrativa, ainda que seu Robert viva uma vida luxuosa de maneira vicariante, como logo é explicado na série, deixando evidente seu desejo não de ascender socialmente como Maxine, mas de pelo menos usufruir de luxos inalcançáveis para ele. Seu papel é surpreendentemente complexo, diria, e o ex-cantor (ele continua sendo cantor, alguém sabe dizer?) transformado em ator – ou pelo menos ele deve achar isso – vive o personagem como um arquétipo ambulante de um veterano de guerra (da Coréia) homossexual ainda quase que completamente “no armário” que gosta da andar em casa sem camisa, mostrando seu físico de Ken, de fazer drinques coloridos e com um penteado que parece de plástico tamanha a quantidade de brilhantina. E, nesse conceito de exagero, que é basicamente a estrutura visual da série, Martin acerta no tom completamente, em um daqueles raros caso em que a limitação dramática do ator é usada em benefício da história.

A própria Wiig, cujo estilo cômico (se é que posso chamar disso) simplesmente não funciona para mim, acerta em cheio como a bela mulher verdadeiramente apaixonada pelo marido cujo objetivo de vida é exatamente beber os tais drinques coloridos à beira de uma piscina, sendo observada com inveja por seus pares. Claro, há nuanças no papel, mas os roteiros destacam seu lado egoísta e fútil quase que constantemente, deixando as reais qualidades do personagem soterradas debaixo de óculos escuros de grife, figurinos feitos sob medida e penteados chamativos, exatamente como Maxine deve ser. Wiig pode não ser a grande atriz cômica que muita gente acha que ela é, mas, aqui, ela definitivamente mostra que sabe fazer mais do que transformar boas piadas nas coisas mais sem graça do mundo.

O grande problema da temporada – Palma Royale indubitavelmente deveria ser uma minissérie – é que não há material suficiente para justificar 10 episódios razoavelmente longos para uma dramédia. Há claras barrigas narrativas que demoram a desaparecer e, quando desaparecem, abrem espaço para outras barrigas parecidas em um vai-e-vem cansativo que parece viver de apresentar novos personagens em momentos tardios, como é o caso do veterano Bruce Dern como o “milionário arrependido” Skeet Rollins ou Ben Palacios como o Príncipe de Luxemburgo. No lugar de resolver sua pontas narrativas, os roteiros funcionam como o carvão jogado nas caldeiras de navios de outrora, ou seja, alimentam o fogo que tenta aquecer os motores de uma máquina grande e lenta demais, o que resulta em uma estrutura de mistérios em cima de mistérios que, por sua vez, escoam na forma de reviravoltas. Funciona até certo ponto, mas depois cansa.

Mesmo assim, Palm Royale fisgou-me e levou-me a apreciar tanto Wiig quanto Martin em seus ofícios – mesmo com suas grandes limitações que permanecem lá, intocadas -, além das performances de Laura Dern, sempre boa e da velha guarda formada pela trinca Carol Burnett, Bruce Dern e Allison Janney. Trata-se de um luxo de série que faz o lixo ser bonito, com esse mundo exclusivo de um cantinho da Flórida décadas atrás sendo um retrato de tantos outros grupinhos endinheirados e fechados por aí, que fazem de tudo para continuar assim.

Palm Royale – 1ª Temporada (EUA, 
Desenvolvimento: Abe Sylvia (baseado em romance de Juliet McDaniel)
Direção: Tate Taylor, Abe Sylvia, Stephanie Laing, Claire Scanlon
Roteiro: Abe Sylvia, Sheri Holman, Sharr White, Becky Mode, Emma Rathbone, Celeste Hughey, Logan Faust, Kelly Hutchinson
Elenco: Kristen Wiig, Ricky Martin, Josh Lucas, Leslie Bibb, Amber Chardae Robinson, Laura Dern, Allison Janney, Carol Burnett, Bruce Dern, Julia Duffy, Kaia Gerber, Claudia Ferri, Jordan Bridges, Dominic Burgess, Jason Canela, James Urbaniak, Mindy Cohn, Ben Palacios, Aqueela Zoll
Duração: 496 min. (10 episódios)

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