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Crítica | Pajeú

por Davi Lima
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Pajeú

A antítese entre o específico místico da história geográfica e a abrangente militância em prol de conservar a natureza torna o efeito do esquecimento dramático, de parcela ficcional, promover uma mistura inconsequente com a liberdade documental. Quanto mais o filme Pajeú se aproxima de uma harmonização quanto à temática da memória da natureza, viva em obsessão para a protagonista Maristela (Fátima Muniz), num misticismo imponente, mais esse caráter ficcional se torna um apoio vago para retratar o esquecimento populacional da fonte natural que formou a cidade Fortaleza no Ceará.

Conceituando-se as ideias discursivas do filme, o que se mostra é como a realidade, num tom realista, é fruto de uma movimentação dinâmica e efêmera de seres humanos como um córrego naturalista fundador de uma cidade. O riacho Pajeú como centro narrativo e cinematográfico coloca tanto em suspense um mito originário em constante busca de encontrar o mar, como a fragilidade das fundações serem esquecidas por debaixo de outras construções frágeis diante da força natural. É como a personagem Maristela comenta, parece sempre uma dança de esquecimento e memória. Por isso o artifício documental parece confrontar tanto o espectador, porque em medidas visivelmente realistas, por mais que se queira significar um riacho que foi canalizado, ele continua sendo esquecido mediante ao conflito entre representantes da narrativa do Pajeú, como identificação geográfica, e o poder público invisível e irresponsável.

Partindo disso, o foco é puramente prático em saneamento básico, em que os mapas demarcam e pessoas relatam o nascer do Pajeú com as chuvas, mas se tornam apenas exemplos de alagamentos de uma cidade mal-encanada. Mas a relação direta com a trilha sonora e as visões da protagonista dentro do filme colocam nessa estrutura de assistência pública um ecoar memorialístico sobrenatural, uma voz da natureza que vai crescendo a cada exploração geográfica da cidade de Fortaleza em contínua medida de reflexão. No entanto, o diretor Pedro Diógenes vai acentuando uma divisão estética em seu filme, abraçando um místico dramático do karaokê que revela sentimentos externos da relação de Maristela com o espaço, suas amizades, e todas as sobreposições de unidade entre os seres com o Pajeú, mas também utilizando de artifícios simbólicos que transgridem as sutilezas tênues no documentar fortalezense e o progresso de identificação.

Em certo sentido, isso reflete uma virada afiada para as correntes temáticas sobre esquecimento da memória, como uma sobreposição simultaneamente anulante e composta na união do drama humano com o do ser Pajeú, que mistifica o filme até antes do aprofundamento audiovisual percorrido na história. Por outro lado, o discurso se torna totalizante, falando da natureza com teor militante não apenas em medida verbal como simbolicamente destoante. O efeito, assim, de conjunção da identificação total do ser humano de narrativa passível de ser esquecível no curso da história, como um riacho esquecido de seu curso, vira imagem, vira poesia extasiante do karaokê, como drama de Maristela. Paralelamente, mais e mais o filme esquece-a dentro dos planos de imagem, em muita colocação de intenções ajustadas para construção temática e dramática, porém nas dinâmicas documentais ela desaparece por completo.

Logo, implicitamente parece haver uma harmonia quanto à protagonista que se coloca menos em destaque para dar voz ao povo fortalezense na praia, no segmento narrativo final do filme, pois é a finalização da foz incógnita da trama do riacho Pajeú. No entanto, a incoerência se basta em como esse afunilar narrativo parece na verdade dissipar o místico do riacho quando o ponto documental abre o leque para o diálogo sobre o meio ambiente e a natureza de uma maneira geral. Acende-se uma conversa militante que de certo modo se conecta com esse descobrimento do riacho escondido, não preservado, criando uma indignação na relação de identificação memorialística e na simbologia como o Pajeú sempre crescia de nível, como se nunca morresse em revolta. No entanto, se isso soa tão específico, tão local e profundo exatamente por essa análise mística-geográfica-histórica, os fortalezenses gravados na praia têm seu auge de fala não na complacência dramática de cada ser poder ser esquecido, relacionando não à protagonista e ao Pajeú, e sim o discurso geral sobre a individualidade de cada ser preservar a natureza.

Afinal, o coletivo da memória e do esquecimento em busca de alguma sobreposição mística, e que de fato se conclui, dá lugar ao ser em defesa da natureza, com vídeo político dando ênfase nisso. Perde-se por pouco o muito simplório transgredir do realismo exercitado no filme, tornando o sobrenatural explícito e colocando os símbolos reais como argumentos antecipados de uma narrativa em prol da militância pela natureza, que ela precisa ser lembrada para ser preservada de maneira universal. Enquanto isso, a última cena registra algo unicamente local, o registro que se torna mágico pelo o conflito da memória. Porque o Pajeú é esquecido pelos âmbitos políticos, e a resolução verbal politizada generalizante só torna a protagonista mais uma itinerante aquática, singular geral, para o Pajeú de memória plural específica. 

Pajeú (Pajeú) – Brasil, 2020
Direção: Pedro Diógenes
Roteiro: Pedro Diógenes
Elenco: Fátima Muniz, Yuri Yamamoto
Duração: 74 minutos

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