“Você construiu tudo isso hoje? Com as minhas ferramentas?
Oh, não, você não pode construir uma casa na árvore com um tampão, Brad”
A comédia Pai em Dose Dupla recorre, para os propósitos de sua narrativa, ao embate entre machos que querem resolver quem é quem nos objetivos paternais dentro de uma família presumidamente tradicional, então despontando para uma subversão, a certo ponto, devido uma derradeira conjuntura orquestrada por reinvenções de conceitos prévios acerca de paternalidade e companheirismo. A sequência Pai em Dose Dupla 2 expandiria ainda mais essa ideia harmoniosa um pouco utópica demais de que crianças podem unir pessoas supostamente destinadas a se distanciarem, mesmo que, para isso, aqui, encaminhe a premissa através da disputa entre o ego do personagem de Mark Wahlberg, um pai imensamente ausente que procura os seus filhos e deseja reconquistar a sua ex-esposa, interpretada por Linda Cardellini, mesmo a mulher já estando casada com uma outra pessoa, o protagonista interpretado por Will Ferrell. O que é ser pai então?
O conteúdo ácido nos termos do caráter humorístico do projeto, explorando algumas vias mais reacionárias do que super “desconstruidoras” e revolucionárias, até mesmo porque a premissa e narrativa em si estão baseadas em ideias um pouco retrógradas de confronto do patriarcado, mas existentes de certo modo, se dirige a duas posições quase que opostas: a auto-crítica intencional que, no final das contas, subverte ironicamente esses pretextos que são quase cíclicos e, portanto, devem ser não reiterados, mas quebrados – quebraria-se completamente na sequência -, e uma extensão desnecessária de um comédia sem qualquer fim senão uma digressão de mau-gosto, justamente o papel que Thomas Haden Church possui no longa. Sean Anders compreenderia melhor como desenvolver essa espécie de obra, sem uma intencionalidade tornada óbvia, na sua continuação, também partindo de algum personagem antagonista mais conservador e antipático.
O personagem do Mark Wahlberg, por exemplo, possui mistérios envolvendo a sua carreira profissional, que até mesmo se referem à fama do artista dentro do cinema de ação, o que nasce de uma metalinguagem interessante e paralelamente engraçada, também se desvencilhando sobre o seu personagem ser militar, gostar de armas e ter um passado envolvendo, provavelmente, assassinatos. O relacionamento com a apresentação do seu pai, na sequência cronológica, nasce do mesmo princípio de interação entre a realidade e a ficcionalidade, porque Mel Gibson também possui um passado e o seu personagem seria abarrotado de muitas dessas características. Já Will Ferrell é o arquétipo do pai correto que quer ter as atitudes corretas, mesmo as crianças não se convencendo do quão competente é o homem, o que acaba abraçando alguns clichês temáticos à obra. A duração não sustenta uma renovação de proposta da narrativa, redundando-se portanto.
As intenções do personagem de Wahlberg permanecem na mesmice por tempo demais, até que o longa-metragem encontra o seu clímax cômico – engraçadíssimo dado o surrealismo em questão -, durante um desastre de proporções absurdas causado pela vontade imensurável do pai adotivo em ser o pai dos sonhos. O quanto é interessante ver o protagonista tentando ser másculo e poderoso, como o pai biológico, não se aplica em vice-versa, porque o roteiro não dá muita atenção a uma verdadeira inversão de papéis, onde o antagonista percebesse o quão patético é sua incapacidade de ser o que a responsabilidade da vida o colocou para ser. A jornada é um pouco gratuita demais nesse sentido, porque o “vilão” nunca se reinventa como personagem, desistindo, em última instância, de ser algo maior, um pai. A comédia é realmente utópica e fantasiosa, conciliadora, pois muitas crianças não possuiriam um pai adotivo como esse para substituir a ausência do biológico.
Pai em Dose Dupla (Daddy’s Home) – EUA, 2015
Diretor: Sean Anders
Roteiro: Brian Burns, Sean Anders
Elenco: Will Ferrell, Mark Wahlberg, Linda Cardellini, Thomas Haden Church, Paul Scheer, Hannibal Buress, John Cena
Duração: 96 min