- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.
Milagres acontecem e um aconteceu em The Choad Less Traveled. Vigilante, o personagem que havia achado o mais insuportável de longe da trinca inicial de episódios, revelou-se como bem mais interessante do que o próprio Pacificador, com uma psicopatia mais nuançada e assustadoramente doentia, com ele querendo ser solícito, não percebendo a manipulação de Adebayo que, convenhamos, quase não teve trabalho algum para plantar a missão de matar Auggie na prisão na cabeça do maluco, e, em seguida, com toda a execução quase suicida da coisa toda.
Talvez o que tenha havido no episódio que já marca a metade da temporada inaugural de Pacificador (a não ser que seja uma minissérie como a Marvel vem fazendo) é que James Gunn se segurou no roteiro. Menos verborragia fazendo enorme esforço para ser engraçado e falhando miseravelmente e mais drama no sentido clássico da expressão, com o já citado Vigilante querendo mostrar-se útil ao grupo e, claro, Christopher Smith ganhando mais tempo para lidar com seus problemas com o pai e com o assassinato de Rick Flagg. É o primeiro episódio da série, aliás, que não fica o tempo todo querendo mostrar o quanto é esperto e o quanto sabe clicar nas teclas que fazem os fãs babarem de felicidade.
Tudo bem que o drama paternal do protagonista é martelado um milhão de vezes ao longo de 46 minutos, quase que como Gunn não tivesse outro assunto para abordar (e não tem mesmo, convenhamos), mas pelo menos a pegada não é pseudo-engraçada e sim pseudo-trágica – entre os “pseudos”, sempre prefiro o segundo ao primeiro -, o que empresta mais camadas ao Pacificador e até mesmo dá a oportunidade a John Cena para mostrar que ele é um monte de músculos com cara de bobalhão que, porém, não é completamente alheio ao conceito de “atuação”. Ouvir que Auggie é racista, supremacista branco, péssimo pai e um canalha em todas as suas características, com exceção a de gênio criativo para equipamentos tecnológicos para o filho lá na Matrix, na quantidade de vezes em que isso é dito em praticamente todos os diálogos é frustrante, pois mostra que Gunn continua em sua tarefa de subestimar a inteligência do espectador, mas há um pagamento mínimo de dividendos com o desenvolvimento de Smith.
O interessante é que, na medida em que o Pacificador é cada vez mais relativizado e suavizado (se fosse uma série da Disney, como é o caso da frustrante O Livro de Boba Fett, eu diria “disneyficado”), ainda que por razões bem melhores do que as do ex-caçador de recompensas que devia ter permanecido na Sarlacc, o Vigilante vai comendo pelas beiradas e sendo o sociopata descontrolado que esperávamos do personagem de Cena. E o melhor é que Freddie Stroma, agora sem a máscara, revela-se como um comediante de potencial, de longe uma versão super-heróica (ou seria anti-heróica?) do Inspetor Clouseau de Peter Sellers. E não, os dois atores sequer deveriam ser citados na mesma frase, pelo que peço perdão pelo sacrilégio, mas estou apenas querendo me referir ao estilo de Sellers de fazer comédia, sempre com o rosto sério e sempre sem entender exatamente as implicações do que faz.
Outro bom momento da série, agora retornando ao Pacificador, é a luta dele com o Mestre Judoca. Não só a diferença de tamanho entre os dois é por si só hilária, como mais uma vez a coreografia de lutas é excelente, com golpes que realmente ressonam, sem parecerem artificiais ou comedidos. Cheguei a ficar triste quando Adebayo (aliás, um parênteses: o abismo dramático que existe entre Danielle Brooks e o restante do elenco só aumenta…) atirou no diminuto personagem de uniforme verde, pois teria apreciado mais alguns minutos de pancadaria entre ele e Smith, de preferência com o nanico (posso escrever assim ou é politicamente incorreto?) vencendo ao final. Eu só espero que o Mestre Judoca tenha alguma função narrativa maior do que só ser saco de pancadas…
Pacificador, até agora, é uma sucessão de esquetes supostamente cômicos reunidos em forma de série, com uma historiazinha tão sólida quanto massa de modelar que se vale de repetições infinitas de obviedades e de referências a personagens obscuros como o Digestor para manter-se de pé. Mesmo acenando com uma melhoria com The Choad Less Traveled, especialmente no que se refere ao Vigilante e ao passado do Pacificador, ainda é pouco demais para ela realmente funcionar para além de seus objetivos ainda bastante mirrados.
Pacificador – 1X04: The Choad Less Traveled (Peacemaker – EUA, 20 de janeiro de 2022)
Criação: James Gunn
Direção: Jody Hill
Roteiro: James Gunn
Elenco: John Cena, Danielle Brooks, Freddie Stroma, Chukwudi Iwuji, Jennifer Holland, Steve Agee, Robert Patrick, Annie Chang, Lochlyn Munro, Elizabeth Ludlow, Rizwan Manji, Alison Araya, Lenny Jacobson, Nhut Le, Antonio Cupo
Duração: 46 min.