Episódio
Temporada
Obs: Contém spoilers. Leia as críticas dos demais episódios, aqui e dos quadrinhos, aqui.
E a segunda temporada de Outcast chega a um final apocalíptico, mas estranho. Que fecha pontas soltas e abre outras, mas que parece apressado e razoavelmente artificia. Que aprofunda nos mistérios, mas que afasta a lógica interna para beneficiar o espetáculo.
E não, não foi um episódio ruim. Longe disso, na verdade. To the Sea é competente em sua proposta de fazer as linhas narrativas principais convergirem e lidar com o súbito reaparecimento de Simon Barnes, pai de Kyle. Sua figura messiânica é muito bem trabalhada em contraste com a total perda da fé do ex-reverendo Anderson pregando em sua Igreja, ou melhor, recrutando seu exército por ali. É uma abertura potente, que faz excelente uso da montagem paralela para mostrar o significado e o perigo da adoração cega. Se o rebanho de Simon não faz ideia do verdadeiro plano de seu líder, o novo rebanho de Anderson, com algumas exceções que se sentem afetadas por sua súbita falta de fé, o segue em um missão firme de livrar Roma dos possuídos.
A prisão de Megan e sua interação com o enlouquecido Blake Morrow (que espero não tenha sido morto!) e a resolução de sua situação pode ter parecido conveniente demais, com a chegada do Dr. Park na hora exata em que ela precisava, mas o objetivo, ali, era estabelecer a dúvida. Se Kyle e Amber – e os demais faróis – podem mesmo ameaçar a “vida” das gosmas pretas, então é possível que a filha que Megan carrega em sua barriga também esteja ameaçada, o que pode gerar conflitos interessantíssimos se a série não se esquivar de mergulhar na negritude da alma humana. Será que Megan fará o que for preciso para sobreviver e proteger sua filha não nascida ou ela lutará para não dar à luz a potencialmente um monstro? Esse é, talvez, o cliffhanger mais relevante deixado para a próxima temporada.
O outro e principal cliffhanger, lidando com a reunião de dezenas de faróis sob o comando de Simon é que realmente não funcionou logicamente para mim. Mas vamos por partes.
Em primeiro lugar, abstraindo-se do mérito em si, toda a revelação de que um dos faróis que Simon matara há 30 anos não havia morrido e que ele havia chamado todo os demais faróis que ele conheceu durante todo esse tempo para fazer uma armadilha para as “gosmas pretas” funciona muito bem como ponto alto do episódio. O lado macabro de um culto cego com pacto de morte no estilo “Jim Jones” é aterrador. Quando os suicídios começam para que o exorcismo em massa das criaturas extra-dimensionais(???) seja possível, o objetivo do roteiro de Chris Black é alcançado em sua plenitude, pondo em xeque a fé e a crença seja no que for e chocando o espectador.
Mas, em segundo lugar, se olharmos sob o ponto de vista da lógica interna e do objetivo de Simon, o que ele faz ali chega a ser risível. Afinal, ele passou 30 anos reunindo faróis como ele, seu filho e neta por todos os Estados Unidos (supostamente, mas pode ser pelo mundo também) e convencendo todo mundo que a única forma de combater esse mal era cometendo suicídio ritualístico em massa no meio de uma floresta, certo? E a razão disso é que ele concluiu que o sangue dos faróis é a única coisa que pode destruir as criaturas de uma vez por todas, certo? Pois bem. Se aceitarmos por um minuto que ele conseguiu convencer essas dezenas de pessoas a se matarem de maneira sanguinolenta (pois apenas tomar veneno não funcionaria) depois de reuni-las em um mesmo local, será que ele não poderia ter parado para pensar em uma solução menos mortal para tudo? Afinal, ele teve 30 anos para pensar.
Ora, se é o sangue dos faróis mata as gosmas, então porque não passar os mesmos 30 anos colhendo bolsas de sangue de cada um deles e, então, reuni-los na floresta para iniciar a fusão e, no momento certo, abrir as bolsas todas? Se ele convenceu todo mundo a se matar, ele poderia muito mais facilmente convencer esse mesmo pessoal a colher sangue mensalmente ao longo de anos para ter uma quantidade mais do que suficiente para exorcizar um planeta inteiro de “viajantes”. A não ser, claro, que seja necessário sangue fresco e pulsante para que o efeito aconteça, o que me parece algo vampiresco demais para funcionar em uma série que, do sobrenatural, passou a ter um viés bem-vindo de ficção científica.
Esse potencial furo na estratégia de Simon é que realmente me incomodou e me impede de apreciar o episódio pelo que ele inegavelmente é: um bom encerramento de temporada. Tudo aconteceu rápido demais, de maneira conveniente demais e sem que os possuídos sequer detectassem a súbita reunião dessa enorme quantidade de faróis em um lugar só. Além disso, o poder de “sentir” outros faróis, que vinha sendo abordado de maneira bem discreta por intermédio de Amber, de repente é algo que Kyle já sentia há muito tempo, bastando, para isso, fechar seus olhos.
Outcast não precisava dessa velocidade toda nesse final. O ritmo estava bom e convincente e as questões vinham sendo abordadas com uma boa cadência. Essa corrida de 100 metros com obstáculos pareceu deslocada e mal construída, com muita coisa sendo jogada de último minuto e muitas coincidências servindo de impulsionamento para a narrativa. Resta-nos torcer para que a terceira temporada amarre bem as pontas soltas, especialmente lidando com o plano tresloucado de Simon.
Outcast – 2X10: To the Sea (EUA, 12 de junho de 2017)
Criação: Robert Kirkman
Showrunner: Chris Black
Direção: Loni Peristere
Roteiro: Chris Black
Elenco: Patrick Fugit, Philip Glenister, Wrenn Schmidt, David Denman, Julia Crockett, Kate Lyn Sheil, Reg E. Cathey, Gabriel Bateman, Callie Brook McClincy, Brent Spiner, Zach Shirey, Pete Burris, Debra Christofferson, C.J. Hoff, M.C. Gainey, Hoon Lee, Madelyn Deutch, Lee Tergesen, C. Thomas Howell
Disponibilização no Brasil (à época da elaboração da crítica): Fox Premium 1
Duração: 55 min.