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Crítica | Os Vencidos (1953)

por Ritter Fan
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Assim como seus políticos e sua guerra, a sociedade tem os adolescentes que ela merece.
J.B. Priestley

O terceiro longa-metragem de Michelangelo Antonioni é, na verdade, a reunião de três curtas escritos especialmente para o filme e baseados em fatos reais que lidam com a delinquência juvenil na Europa do pós-guerra. Com cada história passada em uma cidade diferente – Paris, Roma e Londres – e elencos locais, falando sua própria língua, a ambiciosa produção teve problemas de ordem financeira para ser realizada, especialmente em razão da pegada negativa do diretor e co-roteirista, mas também pelo uso de crimes então recentes em uma narrativa de ficção, o que levou a obra a ser censurada na Itália e França e completamente proibida na Inglaterra.

Ao analisarmos perfunctoriamente o filme com o olhar de hoje em dia, não notaremos nada que justificasse tamanha problematização pelos órgãos censores, mas a visão quase niilista que Antonioni imprimiu em seus curtas monotemáticos, lidando com uma juventude de bom nível sócio-econômico, mas perdida, sem identidade e cometendo crimes por razões pessoais difusas e mesquinhas, desnudando um aspecto da sociedade que os europeus pós-guerra preferiam não encarar de frente, nos faz compreender a visão restritiva dos três países. Afinal, de certa forma (ou exatamente assim), é como se o diretor desejasse esfregar na cara do status quo, disfarçado de entretenimento, a consequência de longo prazo da estupidez da guerra, destruindo o potencial de toda uma geração que cresceu durante o conflito.

Para fazer isso, porém, o diretor, que ainda estava afiando suas habilidades cinematográficas em preparação ao fenomenal A Aventura, de 1960, peca ao empregar um didatismo que incomoda, começando pela longa narração em off que abre a projeção, com imagens de reportagens em jornais sobre o assunto que deseja abordar. No lugar de uma introdução econômica e precisa, o roteiro gasta longos minutos para contextualizar as críticas sociais dos curtas e falha fragorosamente não só pela repetição de variações desse próprio texto ao longo dos filmes, como, também, pelo caráter de “pregação” que Antonioni, mesmo que inadvertidamente, acaba estabelecendo.

Ultrapassado em momento razoavelmente constrangedor, a história francesa começa e, nela, somos apresentados a um grupo de amigos que fazem um pacto para assassinar um deles, aquele que vive de aparências, dando a impressão de ter mais dinheiro e sorte do que os demais, por motivos torpes. A atmosfera que o diretor consegue criar é sinistra e, no processo, ele muito bem caracteriza esse grupo de jovens como pessoas perdidas, sem objetivo, vivendo irresponsavelmente e desejando somente aquilo que não podem ter e não exatamente por não poderem em termos econômicos, mas pela excitação do fazer errado, de transgredir, de quebrar uma fronteira invisível que eles acham – em sua ilusão – que os oprime. Há um pouco – mas só um pouco – do que Alfred Hitchcock fizera em Festim Diabólico e algo mais do que  Jean-Luc Godard viria a fazer em Acossado aqui, até mesmo sua base em crimes verdadeiros e uma visão deturpada do que é ser adulto por jovens rebeldes em tese sem causa, já que não vivem em estado de pobreza ou têm qualquer dificuldade maior do que estudar e namorar, em linha diametralmente oposta a, por exemplo, Os Esquecidos de Luis Buñuel.

O roteiro é um pouco conveniente demais, inserindo um plano desleixado, mas espantosamente complexo por parte dos jovens e uma inocência enorme por parte da futura vítima, Pierre (Jean-Pierre Mocky), depois de um jogo de sedução por Simone (Etchika Choureau) e arroubos de ciúmes por parte de André (Jacques Sempey). Existe um desequilíbrio claro entre os preparativos para o crime, o crime em si que acontece off camera e abordagem de sua consequência, que, ao contrário de tudo o que veio antes, é simples e anti-climática. No entanto, a clara mensagem da narração inicial é incomodamente passada, o que estabelece o tom para os curtas seguintes.

Seguindo o francês, vem o curta italiano que é o que Antonioni afirmou menos gostar, mas que, pessoalmente, considero o melhor dos três. Nele, vemos Claudio (Franco Interlenghi), um jovem de classe-média alta que mora confortavelmente com seus pais, mas que ganha seu dinheiro com o contrabando de cigarros. Em sua mais recente operação, a polícia de fronteira chega e ele acaba matando um policial, ferindo-se no processo. O grande trunfo da segunda história é sua extrema simplicidade. Em termos narrativos, nada mais acontece do que uma longa fuga ou, na verdade, uma caminhada sem rumo por Claudio ao longo da noite e durante o dia em que comete o crime capital. Sem muitos diálogos, a fotografia de Antonioni ganha destaque primeiro com um belo uso de foco profundo, com uma câmera que usa os prédios e outras estruturas para pesar em Claudio, mantendo-o pequeno diante de todo aquele universo enquanto ele lida com o que fez e com seu ferimento (que não é explícito, vale dizer, podendo ser facilmente interpretado como psicológico).

Quando o diretor lida com interação humana, ele procura focar nossa atenção em elementos materiais, revelando o mundo de luxo que Claudio está acostumado a transitar. Festas, carros, vestidos caros e bebidas são mostrados como parte de seu dia-a-dia em uma breve sequência quando ele busca socorro de sua namorada. Da mesma forma, há um belo emprego de planos-sequência mais longos que seguem inclementemente o protagonista, às vezes dando a entender que nós – os espectadores – é que estamos perseguindo o criminoso que pouco parece saber a dimensão do que fez. Em termos de história e um pouco de execução, é quase que um antecessor espiritual de Zabriskie Point, que Antonioni viria a lançar em 1970.

O terceiro e último curta, situado em Londres e arredores, é, também, o mais fraco. Aliás, minto. Ele se torna o mais fraco a partir de sua metade, depois de um excelente começo. Parecendo a forma embrionária do que um dia vira a ser o início do inesquecível Blow-Up – Depois Daquele Beijo, talvez a obra-prima definitiva do diretor, um repórter (Ken Watton, vivido por Patrick Barr) recebe uma ligação do jovem projeto de poeta Aubrey Hallan (Peter Reynolds) que quer vender uma informação sobre um corpo que ele achara. Não demora e percebemos um lado doentio em Aubrey, que se gaba de nunca ter precisado trabalhar ou de pedir dinheiro emprestado ao seu pai, ao querer explorar o que percebe como seus 15 minutos de fama para ganhar dinheiro. Ainda que esse aspecto em si seja fascinante e, ao mesmo tempo, assustadoramente próximo ao que vemos hoje em dia aos borbotões por aí como sinal de falência da sociedade moderna, a forma como a trama se desenrola, com uma pegada definitivamente hitchcockiana, destoa completamente não só do curta em si, como de toda a temática que Antonioni procura abordar.

Além disso, a escalação de Reynolds no papel foi equivocada, não por ele não atuar bem, mas sim porque ele, então com 28 anos, definitivamente não parecia mais fisicamente o tipo de jovem objeto das lentes do diretor. Em determinados pontos da projeção, ele e Barr parecem ter idades muito próximas até, afastando o espectador da crítica social e navegando por águas detetivescas que deságuam na deturpação do propósito inicial.

No final, mesmo com problemas e grandes oscilações de qualidade, Os Vencidos acaba cumprindo seu objetivo de alertar uma geração para sua falta própria falta de rumo, algo que, claro, seria melhor abordado não só pelo próprio Antonioni, como, também, por seus contemporâneos europeus e também americanos em obras que marcariam a Sétima Arte. Como filme, essa é, sem dúvida, uma obra menor do diretor que, porém, já demonstra sua habilidade técnica e narrativa.

*A avaliação ao começo do artigo, em estrelas, é para o conjunto da obra. Apenas para quem tiver curiosidade, se eu avaliasse cada curta separadamente, daria 3 estrelas para o francês, 4 para o italiano e 2 para o britânico.

Os Vencidos (I Vinti, Itália/França – 1953)
Direção: Michelangelo Antonioni
Roteiro: Suso Cecchi D’Amico, Michelangelo Antonioni, com base em histórias de Suso Cecchi D’Amico, Michelangelo Antonioni, Diego Fabbri e Turi Vasile (com colaboração de Roger Nimier e Giorgio Bassani)
Elenco: Jean-Pierre Mocky, Etchika Choureau, Henri Poirier, Albert Michel (história francesa); Franco Interlenghi, Anna-Maria Ferrero, Eduardo Ciannelli, Evi Maltagliati (história italiana); Patrick Barr, Fay Compton, Peter Reynolds, David Farrar (história inglesa)
Duração: 113 min.

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