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Crítica | Os Últimos Heróis de Ação, de Nick de Semlyen

A testosterona escorre desse livro!

por Ritter Fan
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Considerando o único livro anterior do jornalista Nick de Semlyen, Wild and Crazy Guys, que tem como subtítulo algo que pode ser traduzido como Como os Rebeldes da Comédia dos Anos 80 Mudaram Hollywood, pode-se dizer que o autor tem os anos 80 em seu coração. Os Últimos Heróis de Ação é o passo lógico seguinte na construção de sua bibliografia jornalística focada na referida década, pois, como deixa bem claro o título retirado diretamente da versão original de O Último Grande Herói, filme noventista de Arnold Schwarzenegger que De Semlyen usa como marco final de uma era, sua investigação, agora, é voltada aos brucutus e a seus respectivos filmes que marcaram, para o mal ou para o bem, os anos 80.

Para deixar isso ainda mais claro – como se a capa do livro já não fosse evidência cabal do conteúdo da obra -, há, ainda, um longo subtítulo que, assim como fiz com o título, tomei a liberdade de traduzir diretamente: Os Triunfos, Fracassos e Rixas dos Reis da Carnificina de Hollywood. É é exatamente isso que o autor aborda, usando uma mistura de abordagem jornalística clássica com o jornalismo de “revista de fofoca”, em uma amálgama repleta de humor e de informação que não só é fácil de ler, como é uma gostosura, especialmente para quem viveu os marombados anos 80 ou aprecia o que a década tem a oferecer nessa seara.

Para não se perder, De Semlyen utiliza oito atores que simbolizaram e ainda simbolizam os filmes de brucutu dos anos 80: Sylvester Stallone, Arnold Schwarzenegger, Chuck Norris, Jackie Chan, Dolph Lundgren, Jean-Claude Van Damme, Steven Seagal e Bruce Willis. Obviamente que, pelo número de páginas e quantidade de figuras folclóricas, o leitor não deve esperar uma obra profunda, mas sim uma visão panorâmica deles e de uma boa quantidade de seus filmes, com o autor misericordiosamente evitando a estrutura de um ou dois capítulos estanques por ator. Muito ao contrário, ele faz um belo exercício narrativo aproveitando todas as oportunidades para entremear as histórias, seja, por exemplo, quando usa Norris para introduzir Chan (e também Bruce Lee), ou quando usa a famosa e frustrada escalação de Van Damme para ser o Predador no filme homônimo de Schwarzenegger para, então, falar do belga do espacate.

No entanto, naturalmente, o foco fica eminentemente em Stallone e Schwarzenegger e não só por eles inegavelmente serem os expoentes dos filmes de brucutu dos anos 80, mas também por eles encapsularem basicamente todo o subtítulo do livro que traduzi acima. Seus triunfos foram grandes triunfos e seus fracassos foram grandes fracassos, com a rixa entre eles remontando desde os primeiros momentos em que eles se esbarraram nessa indústria. Eu diria até mesmo que o verdadeiro fio da meada do livro é Stallone. É ele que ganha destaque logo no início, quando trabalhava em um zoológico de Nova York e sai um dia furioso de lá coberto de urina de leão para tentar a vida no show business. Trata-se de um começo peculiar de um ator que, dentre todos os que pontilham o livro, é o único que aproxima mais de autor, não só por suas ideias e conceitos, mas também em razão de seus roteiros e, claro, mais para a frente, trabalhos de direção.

Não achem, porém, que a abordagem de De Semlyen é chapa branca, pois não é de forma alguma. É evidente que ele gosta e admira a trajetória de todos (ou quase todos) seus oito destaques, mas o autor não tem papas na língua ao lidar com as diversas falhas de caráter deles. O ego inflado e também ferido de Stallone é tanto razão para seu sucesso, como para seu fracasso e a obsessão de Schwarzenegger em galgar as escadas de Hollywood o transforma em um verdadeiro babaca. E isso é só o começo, pois De Semlyen não perdoa Van Damme e aborda sua entrega às drogas pesadas e Willis pela maneira como não soube lidar com o sucesso que já tinha na TV quando foi escalada para estrelar Duro de Matar. Chan, festejado por seu sucesso na Ásia e suas sucessivas tentativas de fazer sucesso nos EUA, Lundgren por ser relativamente pouco mencionado e Norris, que é reconhecidamente um santo que ninguém (muito menos eu) tem coragem de falar alguma coisa negativa (he, he, he), por seu turno, escapam de terem suas facetas podres expostas, mas Seagal, ao contrário, aparentemente só tem lado negativo, sendo logo de início sendo caracterizado como um trapaceiro que teve sua primeira grande oportunidade ao mostrar seu domínio das artes marciais em uma luta organizada por ele para os executivos da Warner, luta essa que impressionou todo mundo, mas que foi secretamente combinada justamente para fazer o futuro astro parecer um super-herói.

Os parágrafos dedicados a Seagal, aliás, valem sozinhos a leitura do livro, pois sua “saga” em Hollywood chega a ser folclórica de tão inacreditável, com a luta de demonstração que citei sendo apenas a ponta de um iceberg de mentiras capaz de afundar vários Titanics e que, por incrível que pareça, diversos executivos e diretores compraram quase que sem hesitação. Sendo bem sincero, se há um ator dentre os oito sobre quem eu gostaria de ler uma biografia spin-off de Os Últimos Heróis de Ação, este é Seagal.

O segundo livro sobre a Hollywood dos anos 80 de Nick de Semlyen é uma divertidíssima abordagem de uma década do Cinema em que os músculos saltavam dos cartazes, a testosterona pingava dos anúncios de televisão, e a contagem de corpos deixados nos rastros dos invencíveis heróis era a única coisa que realmente importava para os fãs. Mesmo não tendo a profundidade que só poderia ter se o livro fosse consideravelmente maior do que é, a leitura é prazerosa e o texto é surpreendentemente crítico não só do tipo de filme que a década coroou, mas também dos próprios atores que, com os bíceps torneados, amealharam toda a bilheteria da época.

Os Últimos Heróis de Ação (The Last Action Heroes: The Triumphs, Flops, and Feuds of Hollywood’s Kings of Carnage – EUA, 2023)
Autor: Nick de Semlyen
Editora: Crown Publishing
Data original de lançamento: 06 de junho de 2023
Páginas: 352

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