Como já exposto em outros textos sobre a relação dos cães e humanos, antes da domesticação, os tais melhores amigos do homem eram criaturas selvagens, sem a doçura que algumas espécies apresentam no convívio entre as pessoas que os criam como parte integrante da família. Os Selvagens, no entanto, mostram pastores alemães criados por uma criatura misteriosa, tratada no roteiro como O Caçador, adestrador destes animais que parecem voltar ao momento da selvageria que demarca as suas bases. Aparentemente ruim, haja vista a sua fraca campanha de divulgação e lançamento em território brasileiro, o filme é até melhor que o esperado. Há vários e velhos clichês que preenchem este tipo de narrativa sobre jovens acuados por forças da natureza e, de quebra, uma presença humana mortal, mas ainda assim, a trama consegue estabelecer ótimos momentos de tensão, mesclados com violência abrupta e ritmo vertiginoso. Em suma, traços do subgênero horror ecológico que encontram com exatidão diversos pontos da fórmula slasher.
O espectador só não pode esperar desenvolvimento de personagens com carga dramática suficiente para o estabelecimento da catarse. Em Os Selvagens, temos o cineasta M. J. Basset a nos guiar pela história desenvolvida por Dario Poloni, um texto com diálogos ruminados por figuras ficcionais planas, focadas na sobrevivência, sem muita elaboração de suas necessidades dramáticas, algo prejudicial ao filme, pois caso fossem mais interessantes, nos permitiriam maior associação com as suas desgraças. Ao longo de seus 93 minutos, acompanhamos um grupo de jovens levados para uma ilha como punição. Lá, eles serão expostos a situações desafiadoras para pagar ainda mais pelos crimes que demarcam as suas vidas prematuras, em especial, a morte de um deles, após um suicídio com fortes indícios de ter sido engatilhado por decorrência de bullying. Eles são rapazes encarcerados numa instituição para delinquentes. Quem lidera o grupo é Steve (Stephen Wight), um skinhead que tem apoio do pacato, mas sádico Lewis (Luke Neal), para causar transtornos aos demais jovens em processo de correção.
O foco deles, por sua vez, é Dave (John Travers), garoto que sofre horrores diante dos covardes valentões. Com a chegada de Callum (Toby Callum), algumas coisas mudam, mas antes, o suicídio ocasiona a ida dos rapazes para a tal ilha deserta, sob a supervisão de Jed (Sean Pertwee), um rigoroso carcereiro que os acompanha para emprego das missões corretivas. Quando chegam ao local, descobrem que não estão sozinhos como imaginaram. Lá eles encontram um grupo de garotas presidiárias, comandadas por Louise (Alex Reid). O choque de jovens criará alguns momentos de abuso psicológico, farra sexual e até mesmo discussões infrutíferas, pois mais adiante, sob a mira de uma misteriosa figura, eles se tornam vítimas de uma caçada implacável que mescla elementos dos filmes de animais assassinos com a tensão e violência de narrativas ao estilo Sexta-Feira 13 (qualquer parte). A ideia, então, é fugir dos monstros, o racional e os irracionais, sem muito tempo para buscar pistas sobre a identidade. O foco aqui, no auge da agitação, é garantir a sobrevivência, algo complexo diante da força e do domínio do caçador no ambiente em questão, supostamente deserto, mas não como o esperado.
Com ágil direção de fotografia de Peter Robertson, Os Selvagens conta com uma paleta nublada, esverdeada, conectada com o clima cinzento de uma ilha com árvores frondosas, céu parcialmente nublado com indícios de pancadas de chuva e presença constante do elemento água, em parte como traço mínimo de sobrevivência, mas também como obstáculo em alguns aspectos da rota de fuga do grupo que aos poucos, vai diminuindo e ficando cada vez mais tenso, estressante e complexo entre si. O design de som de Nick Adams cumpre o seu importante papel em causar incomodo, seja nos latidos que pairam pelo ar, associado ao trabalho básico, mas bem conduzido de Mark Thomas no desenvolvimento da trilha sonora. Ademais, como já mencionado, o filme peca no quesito catarse, pois nos entrega muitos personagens tão abomináveis que até mesmo eu e você, defensores dos Direitos Humanos, ficamos na torcida pela eliminação de criaturas humanas, mas tão vis e maldosas que sinceramente, pedem o fim sendo trucidado por cães furiosos e um caçador misterioso com arcos, armas brancas e outros elementos de eliminação. Visto como puro entretenimento, no entanto, é satisfatório.
Roteiro: Dario Polon
Elenco: Richard Crenna, Alex Reid, Toby Kebbell, Sean Pertwee, Stephen Wight, Adam Deacon, Luke Neal, Karly Greene
Duração: 95 minutos