Baseado na história de Danièle Mazet-Delpeuch, a agricultora que foi, durante dois anos, cozinheira do presidente francês François Mitterrand, Os Sabores do Palácio (2012) acompanha com bom humor e delicadeza a trajetória da chef (ou Hortense, como a personagem gostava de ser chamada) em um ambiente dominado por homens não muito simpáticos, deveres políticos, protocolos e impasses burocráticos indigestos.
Como a maioria dos filmes com esse tema, temos a personagem carismática, o cozinheiro “vilão”, um companion simpático e um delicioso desfile de pratos e receitas na tela. Mas toda essa cartilha não engessa o filme, e garante uma sessão divertida, terna e com final reflexivo, um pouco desconexo do tom geral da obra, mas mesmo assim, válido.
O que mais se destaca na personalidade de Hortense Laborie, interpretada com competência por Catherine Frot, é o desapego ao possível “poder” vindo com o cargo que ocupava (ela era responsável pela cozinha privada do presidente) ou a intenções que não fosse cozinhar para o presidente da França. Sua característica séria e de poucas palavras ou risadas poderia afastar o espectador, mas não demora muito para que o público entenda Hortense como uma mulher que guarda o melhor de si para seus amigos e para suas receitas.
O roteiro, escrito a quatro mãos por Christian Vincent e Etienne Comar foca menos nas intrigas que permeiam as cozinhas do palácio do governo e mais na realização do trabalho da cozinheira protagonista, auxiliada pelo confeiteiro Nicolas, personagem interpretado com graça e simpatia por Arthur Dupont. É com ele e com o presidente que Hortense cria os mais fortes laços de companheirismo profissional, e até, por que não dizer, uma boa amizade. Na verdade, é valorizando esses laços que os roteiristas estruturam a linha narrativa do filme, deixando apenas como sustentação dramática as brigas com a cozinha principal.
Mas existe também uma história paralela, surgida após o pedido de demissão de Hortense. Ela se passa em Crozet, um conjunto de ilhas subantárticas pertencentes à França. Ali, Hortense também é responsável pela cozinha, mas sua postura é mais dura, mais amarga. A posição geográfica do local e a diferença da fotografia (fixada em tons escuros, transitando entre azul, cinza e suas variações) nos ajudam a identificar a mudança de espírito da cozinheira, algo que ensaia alguma mudança no final, mas a abertura deixada pelo diretor não nos permite afirmar com certeza – o que dramaticamente é um ponto positivo.
A incursão dos documentaristas australianos e uma pequena peça de teatro encenada na noite anterior à partida de Hortense da ilha são inserções de outras linguagens na tela, o que nos chama a atenção, mas se analisarmos o filme friamente, veremos que tais inserções ajudam a destoar a concepção geral nessa parte do filme em Crozet. Como o próprio caráter dessa reclusão mostra um outro momento da vida da protagonista em contraponto à sua trajetória em Paris, algumas coisas acabam ficando pouco desenvolvidas e fogem sensivelmente da proposta geral, apesar de não ser uma fuga grave e de não arruinar o filme.
Películas sobre chefs, cozinhas e comidas geralmente são divertidos de ser ver, mas a sessão fica ainda melhor quando adiciona-se esse formato a um ponto de vista peculiar e uma história real… Os Sabores do Palácio é uma obra bem realizada, com um ou outro problema de escolha espacial-narrativa mas nada que vá tirar o apetite do espectador. Este é um daqueles filmes que você sai do cinema querendo cozinhar alguma coisa, ou procurando desesperadamente por um bom restaurante.