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Crítica | Os Passos (1975)

por Luiz Santiago
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Em arte, existem inúmeras formas de “ser diferente“. Quando falamos de cinema, especialmente de cinema de gênero, a diferenciação de um artista para outro se dá quando observamos as escolhas de cada um e a forma como obedeceram/desobedeceram, manipularam e criaram em cima das regras de uma determinada cartilha. E sim, há um grande número de caminhos possíveis para se tomar nesse cenário. Peguemos o caso do giallo, por exemplo. Seu próprio expositor de pedra angular no cinema, Mario Bava, foi um dos que mais gostavam de mexer nas estruturas desses terrores à italiana, e dele podemos citar como bom representante de mudanças + experimentalismo emergencial o longa que dirigiu em 1970: Cinco Bonecas Para a Lua de Agosto.

É claro que Bava não era o único que gostava de mexer nas regras e ingredientes do giallo, fosse na forma, fosse no conteúdo, especialmente no desenvolvimento deste — como vemos, por exemplo, em Premonição, de Lucio Fulci, só para citar um filme de outro Mestre com essa abordagem “fora do comum“. Aqui em Os Passos (1975), um exercício semelhante é realizado no enredo. O resumo já poderia chocar: aqui, há apenas uma morte explícita, executada quase que por autodefesa ou por acidente (embora não seja nenhuma das duas coisas).

Último longa de ficção e segundo giallo dirigido por Luigi Bazzoni — diretor de uma curta, mas marcante carreira — Le Orme nos faz acompanhar a tradutora Alice Cespi/Campos (Florinda Bolkan, em ótima atuação) cuja vida passa por uma reviravolta. Ao acordar, certo dia, ela se dá conta de que “perdeu” o dia anterior (me veio à mente a clássica história Ontem Foi Segunda-Feira, de Theodore Sturgeon) e as lembranças que ela tem misturam-se com um terrível pesadelo sobre um filme que ela viu na infância, o angustiante Footprints on the Moon, que mostrava astronautas largados na superfície da Lua para ver quando tempo resistiam ali, tudo parte de um “experimento científico” levado a cabo por um cientista louco, interpretado por Klaus Kinski.

Baseado em Las Huellas, de Mario Fanelli, o filme explora uma condição de desequilíbrio psicológico que não é identificado como tal pela pessoa e gera toda uma situação que termina por agravar ainda mais o quadro. A confusão, o isolamento e a fragilidade também entram em cena, já que Alice vai pouco a pouco encontrando pessoas que parecem tê-la visto na pequena cidade de Garma (Turquia), local onde ela não se lembrava de ter estado. Bazzoni dirige de maneira elegante os passos de sua personagem, progressivamente mudando de comportamento, tornando-se mais histérica e mostrando sinais de violência. As cenas em que vemos Florinda Bolkan fugindo de alguma coisa ou tentando entender, em desespero, o que parece ser uma conspiração geral em torno dela (lembra um pouco A Breve Noite das Bonecas de Vidro, não?) são muito bem filmadas, possuem um excelente ritmo e uma atmosfera exemplar (criando verdadeiros blocos de cor — destaque para o azul — a cada mudança de emoções da protagonista), gerada pela fotografia de Vittorio Storaro, primo do diretor Luigi Bazzoni.

Há um quê de existencial na forma como o texto guia as descobertas de Alice, mas a atenção para esse lado mais íntimo de sua existência não é explorada. O enredo foca nos elementos externos que a afetam diretamente, já que ela não tem condições de olhar para si, e acaba atribuindo a si própria apenas aquilo que as pessoas dizem dela. Há algumas poucas cenas onde a vemos lutar contra esse impulso, chegando ao final não com uma busca íntima para se manter sã, mas com uma fuga desesperada de um perigo inexistente. Essa falta e os desajustas na apresentação da trama central, que é intricada demais para ser abandonada logo em seguida, são lombadas fáceis de se perdoar aqui. Alguns espectadores podem até achar “demasiado” o uso dos astronautas como representação da completa quebra psicológica da personagem (infelizmente colocaram aqueles letreiros no final, então o filme perdeu a sua excelente capacidade ambígua), mas a presença deles justifica o que vem a seguir. É um ponto sem volta para a perturbada Alice. Uma mulher numa teia de imensas ameaças que, no final das contas, tinha como maior perigo contra si a sua própria mente.

Os Passos (Le Orme / Footprints on the Moon) — Itália, Turquia, 1975
Direção: Luigi Bazzoni, Mario Fanelli (não creditado)
Roteiro: Luigi Bazzoni, Mario Fanelli (baseado na obra de Mario Fanelli)
Elenco: Florinda Bolkan, Peter McEnery, Nicoletta Elmi, Caterina Boratto, John Karlsen, Esmeralda Ruspoli, Evelyn Stewart, Miriam Acevedo, Rosita Torosh, Luigi Antonio Guerra, Klaus Kinski, Lila Kedrova, Feridun Çölgeçen, Bruno Degni, Franco Magno, Lidia Zanussi, Luciano Zanussi
Duração: 96 min.

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