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Crítica | Os Olhos de Laura Mars

por Leonardo Campos
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Um filme sobre o fetiche da fotografia, produzido em pleno década de 1970, nos Estados Unidos. A estrutura, no entanto, está mais para um giallo, não autêntico, mas com doses generosas deste gênero italiano. Os elementos estão todos lá: a edição esquizofrênica, a cafonice do design de produção, os motivos traumáticos do psicopata, acometido pelo passado nebuloso da família, algo que envolve prostituição e morte, além da trilha de corpos deixada pelo caminho da protagonista, crimes realizados por alguém que usa uma luva e um picador de gelo para ceifar as vidas de suas vítimas. Ah, o ataque é geralmente nos olhos, ponto de partida do sentido dominante em Os Olhos de Laura Mars, narrativa vendida como suspense psicológico e que fez bastante sucesso nas bilheterias quando lançado em 1978. A trama, voltada ao lado pornográfico das imagens nas décadas finais do século XX, reflete, a fotografia como um dos suportes para a banalização da imagem no cotidiano, tudo isso em meio aos diálogos estapafúrdios com direito ao óbvio romance cafona entre o detetive e a “final girl”, mais pudico que um ponto de vista italiano, galgado nos gemidos e nas cenas de nudez nada hipócritas.

Diante disso, precisamos entender que falamos dos estadunidenses, não é mesmo? A terra da hipocrisia e da representação, principalmente quando uma estrela hollywoodiana, Faye Dunaway, é a atriz que centraliza os conflitos da história. Todo cuidado é pouco e a cautela com imagem aqui não é algo apenas internamente. Por isso, os beijos são contidos e o sexo é sutil. Sob a direção de Irwin Kershner, cineasta que conduz o roteiro de John Carpenter, realizador que no mesmo ano, lançou o clássico slasher Halloween – A Noite do Terror, a narrativa em questão apresenta uma estrutura simples, com toques de terror e suspense policial. É a velha base que estabelece uma série de crimes que precisam ser desvendados antes que a protagonista, neste caso, a fotógrafa Laura Mars (Dunaway) seja a próxima vítima. Com um trabalho no mínimo peculiar, isto é, a realização de fotografias que encenam espetáculos de morte, Mars descobre que se tornou alguém com o misterioso dom da sensibilidade. Em suas visões, ela consegue acompanhar assassinatos em tempo real das pessoas que fazem parte de sua equipe.

Essa história de Carpenter, escrita em parceria com David Z. Goodman e outros dois colaboradores, além da contribuição de Tommy Lee Jones num monólogo, é a saga de uma profissional que se percebe num emaranhado de situações que ela não desejou estar. Ela se torna testemunha de mortes horrendas e além de não ter como bloquear esse dom maligno, algo que um dos personagens diz ser motivado por sua dedicação ao mencionado universo da pornografia das imagens que banalizam a violência numa cultura de puro espetáculo. Ao trazer para si o olhar do serial killer responsável pela morte das modelos e outros integrantes de seu campo de atuação, recuso em POV que é destaque desde a abertura, com o plano detalhe num olho e durante o filme, nas passagens em que a câmera, gerenciada pelo diretor de fotografia Victor J. Kemper, ocupa o olhar da protagonista que ao lado do detetive John Neville (Tommy Lee Jones), precisará achar uma estratégia de sobreviver. E até amar, como já dito.

Diante do exposto, Os Olhos de Laura Mars segue o padrão convencional destas narrativas, numa construção sempre em suspense que segura a identidade do assassino (ou assassina) até o seu desfecho esquizofrênico, com reviravoltas rocambolescas que não podemos dizer que são inesperadas, mas também não há como alegar que estavam lá. Várias pistas falsas são deixadas ao longo do filme que tem em sua estrutura, uma figura executora da morte do feminino. A mulher aqui é o foco, tanto da tal pornografia das imagens que Laura Mars produz em seu cotidiano profissional quanto das mortes na “vida real” interna, o mundo da fotógrafa e dos profissionais que morrem ao seu redor. Uma morte peculiar ao longo do filme que não é exatamente de uma mulher aborda uma representação das convenções sobre o feminino. Quem mata em Os Olhos de Laura Mars odeia as mulheres, qualquer traço de liberdade, leia-se, a prostituição e o uso de seus corpos para exercer algo que não esteja de acordo com os valores patriarcais. Participar de festas, ir a boates, ser modelo aqui equivale a ser prostituta. Vender-se aos “valores da carne”.

A excentricidade do filme dialoga com o estilo de fotografar do alemão Helmut Newton, também dos anos 1970, um artista que causou polêmica ao produzir imagens que mesclavam violência, lesbianismo e nudez, algo somativo para uma época de quebra de paradigmas constantes. Com figurinos de Theoni V. Aldredge, um setor importante para o desenvolvimento narrativo de Os Olhos de Laura Mars, subsetor que integra o eficiente design de produção de Gene Callahan, os personagens circulam pelas cenas sem imaginar a incerteza diante da próxima página do roteiro, texto que em sua concepção, reforça o hedonismo da década, a superficialidade das relações, o glamour das festas privadas e para pessoas “importantes”, dentre outras coisas que contempla a frágil cultura das celebridades e o apego das gerações vindouras ao advento da fotografia moderna, um suporte-espelho para as suas constantes (des) ilusões. Ao longo de seus 104 minutos, este suspense excêntrico é a representação cabal do que refletimos sobre as instâncias de realidade e imaginação de uma era dominada pelas imagens.

Os Olhos de Laura Mars (Laura Mars Eyes) — Estados Unidos, 1978
Direção: Irvin Kershner
Roteiro: John Carpenter, David Zelag Goodman, Tommy Lee Jones, Julian Barry, Mart Crowley, Joan Tewkesbury
Elenco: Faye Dunaway, Tommy Lee Jones, Brad Dourif, Rene Auberjonois, Raul Julia, Frank Adonis, Lisa Taylor, Darlanne Fluegel, Rose Gregorio, Bill Boggs, Steve Marachuk, Meg Mundy, Mitchell Edmonds, Joanne Baron, Nicholas Guest, Linda Kendall
Duração: 104 min.

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