Existe um pensamento enraizado no imaginário popular que o terror está sempre vinculado à sustos. Seu típicos jumpscares que deixam as pessoas em sobressalto, ou então no mínimo a violência sanguinolenta que tanto se popularizou por aí como meio de choque. Quantas vezes já ouvimos a infeliz frase: “Filme de terror que não assusta”. No entanto, o gênero vai muito além dessas características superficiais, como, por exemplo, o terror social ou então até mesmo o terror cômico, entre vários outros. Entremeio a tantos subgêneros e estilos que fazem parte do terror, eu normalmente me identifico mais com os incômodos. Aquele tipo de filme que perturba o espectador a ponto de deixá-lo desconfortável, e não necessariamente surpreso.
Os Olhos da Minha Mãe, lançado em 2016 e dirigido por Nicolas Pesce, é exatamente o tipo de filme que se propõe a criar esse medo “desagradável”. Primeiro longa-metragem do cineasta americano que viria a dirigir o reboot de O Grito, a obra é uma espécie de estudo de personagem desorientador de Francisca (Olivia Bond e Kika Magalhães), no qual acompanhamos sua solidão encontrando a loucura. Para nos levar durante essa jornada da protagonista, Pesce se baseia mais em uma narrativa quase que inteiramente visual, com pouquíssimos diálogos e uma trama um tanto simplista em termos de desenvolvimento.
O primeiro elemento da obra que salta aos olhos é a fotografia em preto e branco. Normalmente acho que cineastas modernos usam o artifício de maneira gratuita ou desnecessária, como que para soarem clássicos ou mais profundos do que a obra verdadeiramente é, sem realmente utilizarem a fotografia em vínculo com o restante da mise-en-scène. Inicialmente tive esse receio com Os Olhos da Minha Mãe, mas Pesce é muito inteligente no uso monocromático da imagem como a primeira camada para o tipo de atmosfera e tom ditado no filme.
Ao nos situar do primeiro ato em torno do trauma de Francisca ainda jovem perdendo sua mãe, a fotografia em preto e branco começa a fazer sentido e maximizar uma sensação visual de pesadelo – chega até a ser uma melancolia realista com os planos minimalistas, inteligentemente criando uma identificação com o drama de Francisca antes da sua espiral de psicopatia tomar conta da história. É a partir disso, além de várias (e ótimas) sacadas visuais, como o fato da protagonista saber fazer cirurgia em vacas ou na bizarrice das torturas das vítimas, que o pesadelo pessoal de Francisca se torna um pesadelo para aqueles em seu caminho.
Ainda se respaldando no visual, Pesce se resolve muito bem com uma certa beleza gótica (uma cena específica da “banheira” resume a linguagem aterrorizantemente linda do cineasta) que filma cada cena de horror com uma certa linha poética. É por isso que a violência real acontece fora da tela, com efeitos sonoros inquietantes e cortes sugestivos, para manter o aspecto estranhamente delicado da fita. São em várias dessas cenas perturbadoras e concomitantemente elegantes, que o incômodo do horror afeta o espectador. Indo do terror psicológico ao body-horror, sempre em um passo moroso, Pesce manipula a audiência em seu ambiente repugnante e formal.
Infelizmente, a obra começa a me perder a partir do segundo ato em termos estruturais. Como Pesce se propõe a criar uma narrativa visual que o espectador necessita se investir totalmente no seu formalismo, o que ele mais precisa fazer é criar imersão. E nesse sentido, mesmo com toda a técnica apurada possível, você precisa de ritmo, mesmo que a cadência da obra seja lenta de maneira proposital. E nesse ponto rítmico que Pesce peca de forma colossal. O autor começa a cair em uma repetição visual (os mesmos tipos de torturas, atos hediondos, etc) que não conseguem segurar o interesse com a jornada de Francisca. E o próprio clima perturbador que o diretor tão bem cria vai lentamente se esvaindo com o repeteco, transformando-se em desinteresse.
Os Olhos da Minha Mãe incomoda bastante. Primeiramente, Nicolas Pesce perturba sua audiência com o trauma e sua conversão em algo ainda mais monstruoso. Desenvolvendo uma atmosfera gótica em torno do arco de Francisca, acompanhamos a personagem em um caminho de solidão e loucura em um pesadelo poético. O fiapo narrativo pode ser criticado de maneira a dizer que o filme não tem substância, mas a obra nunca propõe isso, articulando suas temáticas com a imagem. Infelizmente, Os Olhos da Minha Mãe começa a incomodar com seu lado enfadonho e repetitivo, a falta de criatividade em esticar e renovar o horror visual e manter o interesse narrativo. Ainda assim, Pesce faz um tremendo exercício formal de como fazer terror com o mundano, sugestões e uma estranha beleza, mantendo a força do medo em seu campo mais desconfortável.
Os Olhos da Minha Mãe (The Eyes of My Mother) – EUA, 2016
Direção: Nicolas Pesce
Roteiro: Nicolas Pesce
Elenco: Kika Magalhães, Olivia Bond, Diana Agostini, Paul Nazak, Will Brill, Joey Curtis-Green, Clara Wong, Flora Diaz
Duração: 77 min.