Home FilmesCríticas Crítica | Os Novos Mutantes (2020)

Crítica | Os Novos Mutantes (2020)

por Os Três
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Se a gente parar pra pensar, é até um milagre bizarro (e em 2020 tivemos um bom número desses) que Os Novos Mutantes tenha realmente saído, não é mesmo? Depois de cinco adiamentos acontecidos desde o primeiro semestre de 2018, planos de refilmagem, aquisição da Fox pela Disney e o desprezo total da gigante pelo filme, além de toneladas de rumores, nós começávamos a acreditar que essa produção era na verdade uma grande mentirinha criada pela Marvel e pela Fox para fingir que estavam mesmo criando alguma coisa. Mas era verdade! E depois de assistirmos ao filme, chegamos à conclusão de que seria melhor que tudo fosse uma grande mentirinha.

A evidência clara de que a Disney não estava nem aí para The New Mutants (o que provavelmente enterra os sonhos de uma trilogia imaginada pelo diretor Josh Boone) foi o gigantesco descaso no marketing de lançamento do longa. A obra estreou no retorno mambembe do público aos cinemas, ainda no meio de uma pandemia, que no Brasil ensaia uma “nova onda”, se é que saímos da primeira… Mas não para por aí. A película é carente de detalhes de pós-produção. Por um momento, temos a impressão de que essa versão do filme é apenas um teste cinematográfico, onde faltam detalhes para os efeitos práticos e especiais, reajuste de fotografia na maioria das cenas noturnas, retrabalho com o uso da trilha sonora (especialmente na parte final da obra) e refilmagem da maioria das cenas de interação entre os atores, cuja química e criação de atmosfera para “um novo grupo de mutantes” simplesmente não existe.

Já um tanto calejados por esta era dos filmes de bonequinho, temos um número extenso de possibilidades de comparação no que concerne à dinâmica de um grupo de heróis, mesmo quando falamos de pessoas que não se gostam ou que encontram dificuldades para interagir uns com os outros. Convenhamos que a própria linha do tempo do Universo cinematográfico/televisivo dos mutantes nos ensinou muitíssimo bem essa lição, inclusive com erros que poderiam ser evitados, já que não estamos falado só dos X-Men. Podemos pegar exemplos vistos em Legion, Deadpool, Logan e The Gifted para ver como o público reagiu aos resultados de cada produção e como cada uma construiu, dentro de suas mídias e com suas respectivas histórias particulares, um Universo para esses personagens especiais.

Em Novos Mutantes, o princípio de uma “poderosa estranheza” no corpo dos jovens serve apenas para lançar sementes que denunciariam a vilania da personagem de Alice Braga e para iniciar algum tipo de relação fraternal que nunca se constrói de verdade. Isso encontra no romance um princípio de acerto, mas este também é posteriormente sepultado pela forma desconexa como a montagem é realizada e pela maneira dissociada como o roteiro funciona no ato final, o mais intenso e também o mais… chato (sim, esta é a palavra!) da obra. Maisie Williams (Rahne Sinclair/Lupina) parece a única a verdadeiramente se esforçar para construir uma personagem coesa, reagindo de forma interessante e crescente à evolução (mínima, mas sensível) de sua personagem. No extremo oposto temos Anya Taylor-Joy (Illyana Rasputin/Magia) fazendo cara de malvada e agindo como um arquétipo clichê de “garota punk” segundo qualquer filme B de Hollywood. Vale o aceno para a sua mudança no momento em que os monstros pessoais se manifestam fisicamente, porém todo o resto do filme ela parece se esforçar demais para manter a vibe bad girl e não consegue absolutamente nada com isso.

Mas a direção peca mesmo é na condução dos dois personagens masculinos da história: Samuel “Sam” Guthrie/Míssil (Charlie Heaton) e o pior de todos eles, Roberto da Costa/Mancha Solar (Henry Zaga) que nem uma decente mini história solo chega a ganhar. Como a estrutura do filme segue em parte a linha de “apresentação dos problemas individuais e posterior ajuste dos personagens à uma nova situação“, era de se esperar que cada um tivesse o mínimo sólido de uma trama própria, para que não voltássemos ao básico numa possível continuação ou para que o filme não parecesse tão absurdamente desigual em termos de condução narrativa, como é o caso. E é aí que chegamos em um dos problemas mais estranhos da obra, o rumo que a direção dá a Danielle “Dani” Moonstar/Miragem (Blu Hunt). Não se trata apenas de uma má escalação de atriz para o papel, mas por uma toada praticamente bipolar na forma como se costura os poderes da garota, erguendo uma altíssima expectativa em torno da personagem para, no final, vermos um “sossega ursão” como resolução do problema. Seria engraçado se não fosse trágico.

Apostar na dificuldade de adaptação e numa busca interna para justificar as brigas e posteriormente unir o grupo por uma causa maior (nesse caso, para impedir que todos morram) é o tipo de clichê positivo que sempre funciona, desde que haja um bom encadeamento entre arcos individuais e, em seguida, entre os arcos de conjunto. Se a gente tirar o termo “super-heróis” e colocarmos “núcleos diferentes de personagens” no lugar, veremos que esse tipo de trama bem amarrada não é uma ciência de foguete e que qualquer roteiro que se preze faz isso com um elenco onde mais de dois personagens recebem grande atenção. O que não temos em Novos Mutantes é uma exploração visual que nos faça absorver a quantidade necessária de cada herói e ao mesmo tempo a dose necessária de seus conflitos com os colegas para, no fim do filme, conseguirmos a atmosfera de “unidos, apesar das diferenças“, como é de praxe em histórias de origem, especialmente quando falamos de mutantes.

Não é que esperássemos nada muito diferente disso. Para um filme com tantos problemas de produção e pós-produção, ser ruim é a regra. Mas ainda não dá para ignorar o fato de que estamos falando de um produto artístico que custou cerca de 67 milhões de dólares para ser feito e que tem alguns bons artistas nos bastidores. Todavia, a mão de Josh Boone parece guiada por um pêndulo insano que dá atenção para o que não precisava e esconde ou interrompe aquilo que mais se cobra de um filme que segue a tag de casa assombrada e que se ancora num tipo de terror à la Stephen King (influência assumida pelo próprio diretor, por sinal): o envolvimento do público com os personagens e um problema forte o bastante para unir de modo coerente pessoas tão diferentes. Os Novos Mutantes parece aquela igrejinha que fica ao lado de um bar, em baixo de um terreiro e atrás de um campo de futebol. É muito barulho e muita atividade diferente acontecendo ao mesmo tempo e para as quais nenhum ouvido consegue focar de maneira decente. Uma tragédia anunciada. Mas não menos decepcionante por isso.

Os Novos Mutantes (The New Mutants) — EUA, 2020
Direção: Josh Boone
Roteiro: Josh Boone, Knate Lee
Elenco: Maisie Williams, Anya Taylor-Joy, Charlie Heaton, Alice Braga, Blu Hunt, Henry Zaga, Adam Beach, Thomas Kee, Colbi Gannett, Happy Anderson, Dustin Ceithamer, Jacinto Vega SpiritWolf, Chuck, Marilyn Manson
Duração: 94 min.

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