“Titãs, Atacar!”
- Crítica com SPOILERS da série inteira.
Rever desenhos animados de seu afeto é uma tarefa perigosa. Sem o encanto da mentalidade infanto-juvenil, memórias afetivas podem ser desconstruídas. E geralmente são, se você leva esse exercício a fundo. Apesar de apresentar várias qualidades e instantes isolados icônicos que justificam o saudosismo e que tornaram a equipe-título, através dessa série, a segunda mais relevante da DC (só atrás da Liga da Justiça, obviamente), percebe-se que Os Jovens Titãs possuía uma estrutura repetitiva e pobre de variação de conteúdo em suas aventuras procedurais.
Sim, sei que é normal que desenhos sigam uma forma-base a ser repetida enquanto durar, com diferentes variações para seu preenchimento. Contudo, em se tratando de uma adaptação de um rico universo quadrinesco, é decepcionante pensar que o seriado somente enfatiza a ação como cerne de tudo. Diferente do que parece, a série foca pouquíssimo nos seus personagens, utilizando-os meramente como avatares que guiam blocos sequenciais e ininterruptos de combates corpo a corpo, que vão se repetindo capítulo sim e outro também, às vezes mudando de vilão (porque há vários que aparecem mais de uma vez, não para serem vilões de temporada, mas somente para episódios procedurais) ou circunstância, mas essencialmente idênticos durante todas as cinco temporadas.
Por mais que as “lutinhas”, em sua maioria, sejam boas, graças à coreografia fluída do 2D em identidade visual diretamente puxada de técnicas japonesas aplicadas em animes clássicos (a maravilhosa abertura evidencia bem essas inspirações), conforme a constante repetição de forma, elas passam a ficar extremamente exaustivas e sem peso, prejudicando o restante dos valores da série, intregradas diretamente na ação. Por exemplo, a dramaticidade de alguns arcos que querem se levar mais a sério e impor um ímpeto consequencial. Em cada temporada, há um arco narrativo dado como principal, que será espalhado durante episódios isolados na temporada e concluído no último, geralmente dividido em duas ou mais partes. Nesses arcos, pode-se dizer ser o único momento que Os Jovens Titãs investe na natureza íntima dos seus personagens, por consequência, eles até conseguem imageticamente trabalhar o peso da seriedade no tom adotado, contudo, o direcionamento da superação dramática particular sempre coloca a superação física contra o inimigo principal como mote.
Nas duas primeiras temporadas, em especial na primeira, Robin (Scott Menville) é levado ao limite por Slade (Ron Perlman), que testa suas habilidades de detetive e desafia sua sanidade enquanto líder do grupo. Robin fica obcecado por derrotar o Slade e isso vai revelando um lado arrogante da sua personalidade, que até é colocada em atrito com o grupo na season finale – adivinhem como? Sim, através de lutinha, com Robin tentando matar à força o restante do grupo –, mas que não é plenamente explorado em um contexto fora da rivalidade entre ele e Slade. Em nenhum momento essa problemática temperamental de Robin é retomada com desenvolvimento. Nem em outros momentos onde Slade volta a aparecer, como no ótimo episódio que o Robin imagina alucina estar vendo o vilão em todo canto – um dos meus favoritos da série. Porque foi apenas uma circunstância momentânea gerada pelo vilão, ou seja, foi “resolvido” através do triunfo contra ele em batalha.
Na terceira temporada, Cyborg (Khary Payton) tem todo um arco em busca de amadurecer, superar seus limites robóticos e até querer ser o líder de uma própria equipe: os Titãs da Costa-Leste. Uma premissa interessante, principalmente nesse terceiro ponto que também poderia gerar conflitos internos promissores dele para com a equipe principal, mas que, no fim das contas, não são explorados pela necessidade da resolução de seu confronto com o vilão da temporada, o Irmão-Sangue (John DiMaggio), que também cumpre o padrão de desafiá-lo a superar o próprio limite. Na quarta temporada, é Ravena (Tara Strong) quem precisa lidar com seus demônios internos, personalidade reprimida e insegurança com a falta de controle de seus poderes que tem uma potência perigosa ligada a uma profecia de que ela vai destruir o mundo. Por mais que o desenrolar dessa trama, em boa parte, direcione a heroína a ser a principal antagonista, explorando bem a dubiedade que circunda a mística de seus poderes até em episódios não relacionados ao eixo narrativo principal, mais uma vez, o arco empurra para o final a solução desses conflitos internos para o simples enfrentamento direto com uma figura vilanesca: seu pai, Trigon (Kevin Michael Richardson).
Mesmo nesse caso, que traz uma pessoalidade familiar justificando a resolução dramática por embate, a série não consegue minimamente apresentar um desenvolvimento dos pormenores da relação conturbada entre pai e filha, visando aplicar ênfase emocional no conflito, preferindo gastar tempo em algo que nem era principal na temporada, no caso, a continuidade da rivalidade entre Slade (que volta do mundo dos mortos) e Robin. Inclusive, a maioria dos antagonistas de Os Jovens Titãs possui um caráter motivacional bem supérfluo. Até o Slade, por mais legal que seja, está incluso nesse bolo unidimensional. Ou são vilões com motivações megalomaníacas, clichês nada trabalhados em caráter pessoal, ou são vilões simplesmente sem motivação alguma. A única exceção vai para a personagem Terra (Ashley Johnson) durante a segunda temporada (a minha favorita), pois, ela começa com uma nova membra da equipe e vai se tornando antagonista por consequência dos atritos entre os demais membros por conta do risco que traz sua presença sem conseguir ter controle de seus poderes pujantes.
Ainda que seu arco de antagonismo só exista porque tem um Slade manipulando a personagem, fundamentalmente ela efetiva divergências internas no grupo e traz um desafio físico que respalda numa evolução conjunta deles enquanto equipe, além de um desenvolvimento particular interessantíssimo para Mutano (Greg Cipes) no mini romance que vivem. Um dos meus episódios favoritos é justamente o último, no qual Terra retorna misteriosamente após ser dada como morta e Mutano tenta de qualquer maneira se reconciliar com ela depois de tudo que aconteceu na segunda temporada. Uma pena ser o desfecho do desenho, porque é justamente esse tipo de episódio que trabalha consequências dramáticas com conexões mais íntimas entre os personagens o que mais falta nele. Há alguns capítulos aqui e ali que aproximam duplas específicas – Mutano e Ravena; Mutano e Cyborg; Ravena e Estelar (Hynden Walch); Robin e Cyborg –; lidando com consequências que geram a aventura da semana, mas justamente por isso, ficam conexões meio soltas entre eles.
Os mais próximos de uma abordagem uniforme durante toda a série seriam Robin e Estelar, pela questão romântica envolvida, mas que não chega a ir para frente. Há química ali, mas que mal é explorada porque mal se flerta explicitamente com a possibilidade de os dois virarem um casal, salvo um ou outro episódio, novamente, isolados. Aliás, coitada da Estelar, a única que não ganha propriamente uma temporada como protagonista, por mais que seja compensada em vários episódios entre as temporadas que se conectam com questões de seu planeta natal. Ainda assim, preferia ver um arco fundamentalmente mais íntimo dela, que novamente se resolvesse em um confronto direto com um vilão qualquer, do que a narrativa crossover pretendida pela última temporada – a mais fraca, em minha visão. Todos os vilões antes sem motivação juntam-se para formar a gigantesca “Irmandade Negra”, forçando os heróis a passarem metade da temporada tendo que procurar outros heróis (até então, em sua maioria, desconhecidos) para se juntarem ao conglomerado dos “Titãs” e deixar as equipes equivalentes.
Seria uma ideia boa se a expansão do mundo tivesse sido progredida uniformemente durante as temporadas. De certo modo até foi considerando a apresentação mundana e aparição recorrente de alguns heróis secundários em episódios esporádicos. Talvez o iminente cancelamento tenha forçado a série a empurrar os outros que estavam nos planos para aparecerem logo de uma vez, a fim de finalizá-la com uma grande set piece, embora, esta venha no penúltimo episódio. Fica evidente a pressa da quinta temporada em preparar o terreno para um “super-encontro” de personagens da DC o mais rapidamente possível, sem deixar de entregar uma trama de ação com grande escopo para cada novo personagem, sendo esse o background que justificará sua presença no grande clímax. Como a estruturação da ação repetida já estava esgarçada a essa altura do desenho, forçar mais ação em maior escala carimbou definitivamente a saturação dessa fórmula.
Os Jovens Titãs é um desenho que conseguiu construir uma memória afetiva poderosa numa geração (a minha, inclusa) que não exatamente corresponde à realidade do que ele é. Muita gente reclama da comédia boboca que virou sua versão Os Jovens Titãs: Em Ação, possivelmente nem se lembra que Os Jovens Titãs possuía diversos episódios propositadamente cômicos tão bobos quanto (existe até uma outra canção de abertura, cantada em japonês para destacar esses episódios focados em humor) e ainda chatos por seguirem igualmente o modelo de ação dos outros com caráter mais aventuresco ou mais sério. Infelizmente, mesmo que os traços e qualidade técnica animada permaneçam deslumbrantes, é um seriado animado geracional, assim como a sua nova versão, que não sobrevive ao teste do tempo para além de revisitas nostálgicas pontuais de grandes episódios, cenas ou momentos, que, aí sim, possui de “montão”.
Os Jovens Titãs (Teen Titans | EUA, 2003 – 2006)
Criação: Sam Register, Glen Murakami
Diretores: Michael Chang, Alex Soto, Ben Jones, Ciro Nieli, Matt Youngberg, Christopher Berkeley
Roteiristas: David Slack, Amy Wolfram, Rob Hoegee, Rick Copp, Greg Klein, Tom Pugsley, Adam Beechen, Richard Elliott, Simon Racioppa, Marv Wolfman, John Esposito, Dwayne McDuffie, Melody Fox, Glen Murakami, Louis Hirshorn, Joelle Sellner, Neal Adams, Norm Breyfogle
Elenco (Dublagem Original): Hynden Walch, Greg Cipes, Scott Menville, Khary Payton, Tara Strong, Dee Bradley Baker, Luisa Palomanes, Ron Perlman, Kevin Michael Richardson, Ashley Johnson, Lauren Tom, Wil Wheaton, Mike Erwin, Glenn Shadix, John DiMaggio, Freddy Rodríguez, T’Keyah Crystal, Jason Marsde, Alexander Polinsky, Xander Berkeley, Rodger Bumpass, Malcolm McDowell, Greg Ellis, Michael Rosenbaum, Henry Rollins, Diane Delano, Judge Reinhold, Tom Kenny, James Arnold Taylor, Peter Onorati, Rob Paulsen, Lisa Kaplan, Clancy Brown, Matt Levin, Tracey Walter, Keith David, Keith Szarabajka, Ed O’Ross, Quinton Flynn, Jim Cummings, Bumper Robinson
Duração: 5 temporadas – 65 episódios – 13 episódios por temporada + 1 episódio especial – 22 minutos cada episódio