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Crítica | Os Irmãos Grimm

por Matheus Carvalho
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No mainstream da Hollywood atual, Quentin Tarantino é um dos diretores com estilo inconfundível, que até o público menos atento consegue identificar quando vê na tela. Muita gente sabe que ele é um nerd do cinema e tem como referências os mais variados estilos e gêneros cinematográficos, mas poucos sabem sobre seus mentores no começo da carreira. No início dos anos 1990, quando não passava de um aspirante a diretor com um roteiro do que viria a ser Cães de Aluguel na mão, Tarantino foi mentorado por alguém que ele julgava ter uma visão única e muito bem resolvida sobre sua própria arte e estilo: Terry Gilliam.

Estrela do grupo de comédia britânico Monty Python nos anos 1970 e diretor do clássico Monty Python em Busca do Cálice Sagrado, Terry Gilliam construiu uma carreira abusando da liberdade criativa e lutando contra a grande pressão comercial da indústria em detrimento da arte livre. Com uma identidade visual marcante e propositalmente exagerada, sua mente criativa e rebelde foi responsável por obras como Brazil e Os 12 Macacos, criticando regimes, governos e a sociedade, sempre em ambientes ricos e cheios de fantasia e alucinações.

Em Os Irmãos Grimm, o diretor tinha um prato cheio para explorar sua criatividade. A trama se passa na Alemanha no início do século XIX, durante a ocupação francesa governada por Napoleão. Numa época em que mitos de bruxas e assombrações eram presentes no cotidiano, os irmãos Will e Jake Grimm, vividos por Matt Damon e Heath Ledger, ganham a vida aplicando golpes em pequenos vilarejos ao se aproveitarem do medo para forjar vitórias contra forças sobrenaturais e ganhar dinheiro fácil.

O primeiro ato do roteiro escrito por Ehren Kruger estabelece bem essa dinâmica e nos abre diversas possibilidades para o que poderia vir a seguir. Quando se junta a imprevisibilidade do roteirista responsável por A Chave Mestra e a direção excêntrica de Terry Gilliam, as expectativas sempre são altas. Estando claro que o filme não tinha qualquer pretensão de retratar a realidade da vida dos irmãos Grimm, seus contos indicavam ao menos o tom que o roteiro poderia seguir. Histórias hoje adaptadas para o público infantil como Branca de Neve, Bela Adormecida, Chapeuzinho Vermelho e João e Maria, tinham conotações muito mais sombrias originalmente.

No entanto, assim que o roteiro nos introduz ao segundo ato e nos apresenta de vez o plot principal, é impossível não se decepcionar com os rumos da trama. Quando os irmãos Grimm são presos por Cavaldi, carrasco francês a serviço do General Delatombe, são obrigados a desmascarar aqueles que devem estar aplicando seus próprios golpes em uma vila alemã onde crianças estão desaparecendo e a comunidade está aterrorizada. Durante a jornada, Jake e Will descobrem que o caso não se trata de um golpe, mas de uma assombração real. Eles reúnem aliados e unem forças para enfrentar os encantos da floresta e os feitiços de uma rainha ancestral que está prestes a conseguir seu grande objetivo de se libertar de um corpo velho e em decomposição e renascer jovem e mais poderosa do que nunca.

A frustração é puramente resultado da expectativa criada. Não se pode dizer que o roteiro é um fracasso ou que o filme não é uma obra que vale a pena ser assistida. A identidade visual marcante de Terry Gilliam está presente e seu estilo combina perfeitamente com uma história de fantasia, bruxas e florestas assombradas em pleno século XIX. A ambientação é desconfortavelmente agradável e a fotografia sombria e escura colabora com o clima proposto. No entanto, a falta de profundidade e de uma mensagem que leve o espectador enxergar algo além do que se vê em tela dificulta o engajamento e o envolvimento com a história e o destino dos personagens.

A dinâmica entre os irmãos Grimm funciona de maneira orgânica. As atuações concentram o que há de melhor no aspecto dramático e cômico do roteiro, alternando o tom sem atrapalhar o fluxo da história. Em contrapartida, os personagens que deveriam simbolizar o drama e a comédia não convencem e cansam o espectador. Peter Stormare, no papel do carrasco Cavaldi, não se decide entre o torturador que impõe medo e terror por onde passa e o patético alívio cômico que chora quando perde a peruca. Só de pensar que o escolhido inicialmente foi Robin Williams já se pode ter uma ideia de como o personagem foi mal escrito.

Já no lado dramático, Lena Headey interpreta a amargurada Angelika, que carrega traumas e é apontada como amaldiçoada por toda a vila depois ter perdido a mãe e ter a irmã e o pai desaparecidos. Seu drama, no entanto, acaba se tornando secundário e perde espaço no roteiro para alívios cômicos facilmente dispensáveis. E por falar em falta de espaço, temos Jonathan Pryce sendo subaproveitado no papel do general francês Delatombe, com pouquíssimo tempo de tela e intervenções pontuais, muito aquém daquilo que poderia entregar seu personagem.

Os Irmãos Grimm peca pelo roteiro sem sal e pouco ácido, decepcionando aqueles que esperavam novamente o Terry Gilliam ousado e rebelde que inspirou Tarantino e fez tanta gente sair do cinema refletindo sobre diversas questões. Seu visual não deixa de estar presente e reforçar seu estilo, mas o filme não consegue trazer um propósito e cai logo no esquecimento, numa vala do senso comum ao lado de tantos outros filmes cheios de potencial desperdiçado.  

Os Irmãos Grimm (The Brothers Grimm) – EUA, 2005
Direção: Terry Gilliam
Roteiro: Ehren Kruger
Elenco: Matt Damon, Heath Ledger, Lena Headey, Jonathan Pryce, Peter Stormare, Monica Bellucci
Duração: 118 min.

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