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Crítica | Os Insaciáveis (Dampyr #32)

Jantar de canibais.

por Luiz Santiago
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As páginas iniciais de Os Insaciáveis são as minhas favoritas de toda a aventura. Elas trazem uma aposta do roteirista Maurizio Colombo numa narrativa que passa por diversos tempos e lugares, formando um labirinto de cenas que se encaixam progressivamente e despertam a curiosidade do leitor para o que, de fato, está acontecendo. O passado ganha vida por meio de sobreviventes de um acidente aéreo que, em meio à desesperança, recorrem à carne dos mais vulneráveis, enquanto outra cena surpreende ao exibir um suicídio inesperado (aparentemente desconexo de tudo), acrescentando ainda a aparição de duas figuras assassinas e o sonho interrompido de Harlan Draka por Caleb Lost, em Praga. Essa fusão de episódios curtos, logo no começo do volume, alia a figura de vilões canibais à presença imponente do demônio Thorke (o “deus da fome de carne humana”), estruturando um enredo denso e carregado de simbolismos, levando-nos a um ambiente frio e ritualístico, onde um frigorífico se torna palco de sacrifícios humanos.

O cenário idílico e pacífico da Suíça é contraposto à revelação de um horror que se esconde naquela sociedade (difícil não se lembrar das abordagens lynchianas para contextos assim), uma vez que Harlan Draka descobre que o serial killer Rudolph Scholberg, apelidado de “o Canibal”, integra um grupo de devotos de Thorke, o lendário ser das trevas que, desde os primórdios da humanidade, tem semeado o terror incentivando indivíduos a comerem carne humana de maneira compulsiva, inclusive devorando a si mesmos. Isso cria um contraste entre a serenidade do ambiente natural e a brutalidade dos acontecimentos narrados. Um salto temporal acaba explicando a ascensão de figuras como Blumenstock, cujo nome se associa a uma fábrica de carnes enlatadas que, por sua vez, se converte num cenário para cerimônias canibais anuais.

No decorrer de sua investigação (bastante atropelada devo dizer), conduzida sob orientações pouco claras de Caleb Lost, Harlan se vê numa sequência de eventos que começa com ele sendo colocado, “por coincidência” na pista de um caminhão da Blumenstock, e, após um acidente, acaba resgatado por um dos empregados da fábrica, passando a viver na vila dos operários. O cenário é macabro. Há uma forte sensação de ameaça, de claustrofobia e de medo das medonhas figuras que sabemos servir Thorke, e, por isso, são muito perigosas. À medida que a data da cerimônia anual se aproxima, as tensões internas entre os seguidores se intensificam, enquanto Harlan, em conluio com Youssun, empreende uma ousada invasão ao prédio principal do complexo, pouco antes do ritual, ação que ganha outra face quando Youssun revela, de forma inesperada, sua terrível identidade.

É engraçado que, mesmo numa trama tão medonha, o desenhista Giuliano Piccininno (que não vemos na série desde O Castelo nos Cárpatos) tenha inserido brincadeiras visuais que trazem um sorriso nervoso para o leitor, como o pôster de Titeuf no quarto onde Harlan desperta, e a cena em que um dos gêmeos assassinos da Blumenstock lê uma edição de Prezzemolo. Minha decepção com a história, porém, se dá nas 20 páginas finais, durante a jornada de Harlan e Youssun até o local do banquete antropofágico. A questão vai além do fato de que alguns desses eventos ocorrem rápido demais. As conexões entre os blocos simplesmente não parecem completas. O terror ainda continua em alta conta, mas cada cena parece ter deixado diálogos e situações interessantes de fora das páginas, o que torna a fuga da vila operária e o lamento meio patético do dampyr, na biblioteca de Caleb Lost, qualitativamente abaixo da interessantíssima narrativa em abismo que tivemos na introdução da edição. Talvez, se o autor resolvesse criar uma narrativa em duas edições, a situação tivesse uma outra cor. Mas, do modo como foi posta, ficamos com um encerramento de ritmo e teor dramático que nem parece ter sido escrito pela mesma pessoa.     

Local de ação: Genebra (Suíça); Praga (República Checa)
Personagens principais: Harlan Draka, Caleb Lost, Thorke

Os Insaciáveis (Dampyr #32) — Gli insaziabili — Itália, novembro de 2002
Roteiro: Maurizio Colombo
Arte: Giuliano Piccininno
Capa: Enea Riboldi
No Brasil: Editora 85 (outubro de 2021)
Tradução: Júlio Schneider
100 páginas

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