Adaptando o podcast homônimo que fez sucesso na Gimlet, é interessante perceber como o criador Aaron Mark teve boas ideias ao levar a sua história para um formato televisivo. Além da assumida inspiração com Hugh Wheeler, ao incrementar o conto gótico sobre canibalismo de Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet com um pouco de gentrificação, Mark segue a tendência do momento de fazer referências e metalinguagem, o que é exemplificado na participação de Bryan Fuller nos primeiros minutos do show, e também, ao mesclar todas as mídias que a história de Dolores Roach passou ao longo de dez anos: como uma peça na Broadway, depois um podcast, e agora, uma série — sendo esta a forma que nós, telespectadores, estamos acompanhando. Embora tenha esses acenos animadores, no geral, a sensação é como se Os Horrores de Dolores Roach nunca atingisse o sabor mórbido que a sua receita promete.
E fazer essas referências termina servindo como ilustração a um possível caminho que a série poderia ter seguido em vez da abordagem autocontida que se satisfaz sem nunca abraçar os riscos. O longa de Sweeney Todd tinha o toque excêntrico de Tim Burton fazendo um musical sombrio; Fuller fazia de Hannibal, no mínimo, um jogo sedutor e absurdo, e Mark, ao lado da co-showrunner Mariah Wilson, dispensa os aspectos de criatividade para Dolores Roach ao apenas referenciar histórias semelhantes, o que também inclui menções a Tito Andrônico de William Shakespeare.
De início, a série parecia bem mais empolgante ao deixar de lado os paralelos com Sweeney Todd e nos fazer conhecer quem é Dolores, o que envolve o seu choque ao sair da prisão após de dezesseis anos e se deparar com uma Washington Heights gentrificada, porém, esse é só um dos elementos de fundo que o show não consegue traçar tão bem uma analogia frente à narrativa monótona para uma história que carece de rumo. Talvez a carga repetitiva se justifique por Dolores ainda estar presa em resolver as coisas do passado, o que faz seu estado reativo contra quem ameaça suas chances de recomeço ser o impulso para uma espécie de vingança, e o argumento da série se divide entre fazer uma comédia ácida de terror sobre fúria, reação e gentrificação com momentos de distrações para uma vingança que não é interessante.
Enquanto as escolhas narrativas não fazem jus as promessas constantes da história, é válido reconhecer como o texto diverte ao pedir empatia pelos absurdos que propõe. Por exemplo, a história de Dolores e Luis — vividos pelas performances insanas e intensas de Justina Machado e Alejandro Hernandez — pode ser vista como um romance doentio entre duas pessoas que tentam sobreviver às suas compulsões e contradições, e são esses momentos que a série consegue transmitir repulsa ao sempre manter um tom lúdico por perto apesar da completa decadência e ausência de bom senso e racionalidade na dinâmica dos personagens. Porém, Dolores Roach teria outra personalidade se abraçasse a ideia de contar o drama de um casal perturbado enquanto apresenta a origem de uma serial killer, que foi aos poucos tendo sua humanidade testada até virar algo insano.
Havia um potencial de um romance mórbido inspirado em Sweeney Todd sobre um casal de empreendedores — ela massagista e ele dono de um negócio com empanadas — fazendo da violência um vício banal, mas o que sobra do argumento de Mark e Wilson é uma visão dos elementos que fariam Dolores Roach encontrar seu tom, que se perde na abordagem de promessas. E toda loucura que a série poderia ter abraçado é deixada para o clímax, como amostra de que tinha um absurdo sendo manifestado aos poucos para uma história que não queria assumir sua morbidez, e sim, fazer disso um lúdico conto latino sobre canibalismo que não leva sua loucura tão a sério.
Ainda que não retorne para uma segunda temporada, Os Horrores de Dolores Roach pode ser encarada como uma história não tão provocante de uma serial killer que teve sua história contada em mídias digitais, jornais e palcos e tenta sobreviver buscando redenção ao contar sua versão. Sem querer ser um prato mórbido como os servidos à mesa de Hannibal, a série te enche de vários aperitivos com recheio canibal, mas termina antes de chegar no prato principal.
Os Horrores de Dolores Roach – 1ª Temporada (The Horror of Dolores Roach – EUA, 2023)
Criação: Aaron Mark
Direção: Hiromi Kamata, Eduardo Sánchez, America Young, Roxann Dawson, Edward Ornelas
Roteiro: Aaron Mark, Mariah Wilson, Michelle Badillo, Joe Hortua Brian Otaño, Dara Resnik, Daphne Rubin-Vega
Elenco: Justina Machado, Alejandro Hernandez, K. Todd Freeman, Kita Updike, Ilan Eskenazi, Jeffery Self, Jean Yoon, Jessica Pimentel, Cindy Lauper, Judy Reyes
Duração: 28 min (8 episódios, cada)