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Crítica | Os Encanadores da Casa Branca

Watergate nunca foi tão engraçado.

por Ritter Fan
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Certamente um dos escândalos políticos mais abordados na literatura e no audiovisual, o Caso Watergate não perde seu frescor e sua relevância. Ao contrário até, décadas passam e, como em um nefasto movimento cíclico, as lições que deveriam ter sido aprendidas quando o assunto eclodiu em 1972 são esquecidas e a história quase que na literalidade se repete e não apenas nos Estados Unidos. Em 2007, Egil Krogh, advogado da administração de Richard Nixon que foi condenado à prisão por seu envolvimento no caso, escreveu (mais) um livro sobre o assunto com a ajuda de seu filho Matthew e que foi inicialmente batizado de Integridade, livro esse que, então, tornou-se a base para a minissérie Os Encanadores da Casa Branca, levando à republicação da obra com o título em questão.

Se o espectador pouco ou nada conhecer sobre Watergate, a minissérie desenvolvida para a HBO por Alex Gregory e Peter Huyck (ambos produtores de Veep, dentre outras obras para a televisão) não é a melhor introdução em razão de os roteiros surpreendentemente fazerem esforço para evitar didatismos e por mergulhar o espectador diretamente no meio da infame invasão do quartel-general do Comitê Nacional do Partido Democrata que, aprendemos em seguida, é nada menos do que uma das quatro tentativas dos autodenominados “encanadores” (porque eles resolvem vazamentos, ahá!). Em outras palavras, se houver necessidade de uma pesquisa introdutória sobre o escândalo, a sugestão é assistir o excelente Todos os Homens do Presidente, o que inclusive ajudará no reconhecimento de um inspirado momento em que a ponta vocal de um certo ator revivendo seu papel de 1976 acontece.

Mas retornando à legenda que informa ao espectador que houve quatro tentativas de invasão ao QG Democrata, é importante ressaltar que ela imediatamente estabelece o tom da minissérie, envelopando-a como uma sátira política encabeçada por Woody Harrelson como E. Howard Hunt, ex-agente da CIA e Justin Theroux como G. Gordon Liddy, ex-agente do FBI, que são convocados pela Casa Branca para investigarem o vazamento, por Daniel Ellsberg, dos chamados Papéis do Pentágono, documentos sobre o envolvimento americano do sudeste asiático que culminaram com a Guerra do Vietnã. O mais fascinante (e surreal), porém, é que os diversos eventos que a minissérie aborda desde que Hunt e Liddy, ridiculamente disfarçados, partem para Los Angeles para furtar as anotações do psiquiatra de Ellsberg de forma a provar que ele trabalhava para os Comunistas, são reais – todos eles, até onde sei -, pelo que a sátira não se dá em relação aos acontecimentos que já são naturalmente mais estranhos que a ficção, mas sim em relação aos protagonistas que têm suas caracterizações elevadas ao nível de absurdo e de ridículo de seus atos.

A dupla de atores está hilariamente sensacional vivendo versões exageradas e maiores que a vida das duas figuras reais. O Hunt de Harrelson é o típico espião aposentado que tem orgulho cego por seu país e pavoneia-se de suas (inexistentes) habilidades e de um passado envolto em sombras e que vive com sua esposa Dorothy (Lena Headey) e seus quatro filhos em situação muito acima de sua capacidade financeira, com direito a clubes de elite, cavalos e viagens. Por seu turno, o Liddy de Theroux é mais modesto, preocupado com a forma física e, claro, seus genes, já que ele é um admirador inveterado da organização, dos princípios, da força e da disciplina imposta por ninguém menos do que Adolf Hitler. Por sinal, a sequência em que isso é revelado, com direito a um discurso do líder nazista em LP sendo orgulhosamente reproduzido nas alturas para horror dos Hunts, é ao mesmo tempo impagável e vexaminosa, dando vontade de diminuir o volume da TV para os vizinhos não ouvirem. A obediência canina dos dois aos mais questionáveis mandamentos oriundos de seu político favorito é como um tapa na cara de quem ainda toma partido com base em convicções rasas como “se você não concorda comigo, então você é meu inimigo”, ainda que esse tapa virtual não vá fazer efeito algum, pois, como Hunt e Liddy, esse pessoal sequer é capaz de reconhecer a própria estupidez.

São os trabalhos dramáticos cômicos, mas, ao mesmo tempo, quase que metalinguisticamente autoconscientes dessa comicidade por Harrelson e Theroux, além de subsidiariamente por Headey, que realmente sustentam a minissérie que, na medida em que avança, consegue até mesmo transformar seus respectivos personagens em figuras genuinamente trágicas, ainda que não do tipo que o espectador se compadecerá (ok, talvez um pouco). O restante do vasto elenco, que conta com Domhnall Gleeson, Judy Greer e Kim Coates, além dos veteranos F. Murray Abraham e Kathleen Turner, dentre vários outros, é usado apenas para preencher os espaços que a trinca principal deixa sobrar aqui e ali, a ponto de a profusão de personagens que aparecem uma ou duas vezes e apenas brevemente acabar criando um certo caos narrativo que poderia ter sido evitado.

Aliás, falando nisso, ao passo que a tentativa de abordar a maior quantidade de fatos inacreditáveis ao longo dos poucos meses que a história cobre é nobre, o apego à realidade é, diria, excessivo, pelo menos em apenas cinco razoavelmente curtos episódios. Há informação demais que passa rapidamente demais e que, em conjunto com o número elevado de personagens de menos destaque, acaba resultando em uma narrativa por muitas veze picotada que luta para manter sua coesão. É nisso, aliás, que as presenças irresistivelmente caricatas de Harrelson e Theroux dobram em valor, pois elas não só valem pelo que elas são, como também ajudam na impressão de fluidez, já que a direção de David Mandel é esperta o suficiente para reconhecer que, sem se firmar nessas duas âncoras cômico-dramáticas, Os Encanadores da Casa Branca naufragaria com facilidade.

Com uma direção de arte que reconstrói a época cuidadosamente em todos os seus elementos, sejam cenários e figurinos ou maquiagem e cabelo, a minissérie da HBO, ao mesmo tempo em que empresta uma boa dose de leveza e de humor cáustico e inteligente a um dos mais relevantes escândalos políticos do século XX, consegue tratá-lo de maneira suficientemente diferente e original, justificando sua existência nos dias de hoje para além de sua triste relevância no cenário repleto de trepidantes déjà vu em que vivemos. Sei que é um delírio, mas vai que finalmente aprendemos algumas lições, não é mesmo?

Os Encanadores da Casa Branca (White House Plumbers – EUA, de 1º a 29 de maio de 2023)
Desenvolvimento: Alex Gregory, Peter Huyck (baseado em livro de Egil Krogh e Matthew Krogh)
Direção: David Mandel
Roteiro: Alex Gregory, Peter Huyck
Elenco: Woody Harrelson, Justin Theroux, Lena Headey, Domhnall Gleeson, Judy Greer, Kim Coates, Gary Cole, Toby Huss, Liam James, Tony Plana, Yul Vazquez, Zoe Levin, Nelson Ascencio, Rich Sommer, Tre Ryder, Alexis Valdés, Ike Barinholtz, John Carroll Lynch, Joel Murray, Emily Pendergast, Kathleen Turner, Zak Orth, Kiernan Shipka, Marc Menchaca, David Pasquesi, Eddie K. Robinson, F. Murray Abraham, Corbin Bernsen, David Krumholtz, Neil Casey, Prema Cruz, Peter Serafinowicz, Steven Bauer, Annie Fitzgerald, Peter Grosz, Robert Smigel, Jim Downey, Joel Van Liew, J. P. Manoux, Robert Redford
Duração: 270 min. (cinco episódios)

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