Neste ano de comemoração aos vinte anos da chegada de Os Cavaleiros do Zodíaco na televisão brasileira, na saudosa TV Manchete, A Lenda do Santuário chega como uma grande homenagem ao trabalho de Masami Kurumada. O filme, contudo, escolhe uma via perigosa, a de recontar a história do primeiro arco do mangá/anime, condensando diversos capítulos em apenas 93 minutos de duração. Definitivamente não chega a ser algo inédito, já que vimos o mesmo acontecer, diversas vezes, em outros desenhos japoneses de sucesso, como é o caso dos longa-metragens de Dragon Ball. Fica, porém, a dúvida se a obra irá adquirir um bom ritmo ou apenas apelar para o saudosismo dos fãs.
Nos primeiros minutos de projeção já somos jogados de cabeça na ação, enquanto Aioros, o Cavaleiro de Ouro de Sagitário, foge com a reencarnação de Atena, ainda bebê, em seus braços. Perseguindo-o estão outros dois Cavaleiros de Ouro – Saga de Gêmeos e Shura de Capricórnio. No fim, Aioros é derrotado e leva consigo Saga. A pequena deusa, contudo, consegue sobreviver, sendo deixada na Terra, onde é encontrada pelo sr. Matsumasa Kido, que a nomeia Saori. O que vemos a seguir é uma explicação sobre os protetores de Atena e suas armaduras, garantindo uma elipse temporal que já nos leva para a adolescência da jovem. É aqui que conhecemos, de fato, os Cavaleiros de Bronze – Seiya, Hyoga, Shun, Shiryu e, posteriormente, Ikki – cinco jovens treinados desde criança em diversos locais do planeta para proteger Atena das tentativas de assassinato do Santuário.
A este ponto já deve ter ficado claro a overdose de informações que os primeiros instantes da obra procuram nos passar. Para todos aqueles que não conhecem o anime ou mangá original, portanto, o filme pode parecer confuso nesses minutos iniciais. Felizmente, o roteiro de Chihiro Suzuki reserva um bom tempo para nos acostumarmos com o cenário geral. O mesmo, porém, não pode ser dito em relação à profundidade dos personagens. Muitos deles, senão todos à exceção de Seiya e Saori, são mal trabalhados, rasos e somente contam com a simpatia dos fãs da franquia, já que não chegamos a conhece-los, efetivamente, no longa-metragem. O problema, é claro, está na condensação da história em um curto espaço de tempo, mas uma maior ousadia no roteiro, diferenciando-a do produto original, poderia facilmente resolver tais assuntos.
O que falta de coragem no texto acaba aparecendo no design. Apesar de termos um visual muito similar às armaduras do mangá, optou-se, no filme, por utilizar capacetes nos cavaleiros. Ainda vemos as ocasionais tiaras, mas essas logo se transformam em um elmo fechado, nos lembrando facilmente dos tokusatsus de outrora. Essa escolha, contudo, logo se demonstra falha ao tirar não só a expressividade dos guerreiros, como as suas diferentes características. No fim temos uma massa homogênea, nos remetendo mais uma vez à subutilização de personagens.
Ainda no aspecto visual da obra, não podemos não admirar o trabalho em cima das texturas, que conseguem passar a distinta impressão de vermos, de fato, armaduras de metal à nossa frente. De forma ainda mais impressionante, temos uma perfeita mescla do anime com a animação 3D que consegue se encaixar com os demais elementos. Trata-se de um trabalho cuidadoso que garante a fluidez de cada movimento, proporcionando cenas de combate dinâmicas e envolventes, sempre no gênero do desenho japonês, contando, é claro, com os famosos golpes dos cavaleiros. Isso afeta especialmente os fãs, já que a obra original jamais contou com full-animation. A mescla com o anime, contudo, falha na questão das exageradas expressões dos personagens, que funciona na animação tradicional, mas não se encaixa nesta proposta. Espere, portanto, diversos momentos de vergonha alheia enquanto observamos Seiya e os outros caírem no chão, ficarem boquiabertos ou simplesmente mexerem os braços demais. Outro gigantesco deslize é a retratação do Cavaleiro de Câncer, que não só soa perdido dentro da obra, como quase nos obriga a sair da sala de cinema, através de uma cena musical totalmente à parte do restante do longa.
Relevando grande parte desse exagero, temos o ótimo trabalho de dublagem, tanto no original, quanto na versão brasileira. Os saudosos do anime irão se contentar ao ver a volta dos velhos dubladores tanto para os personagens principais quanto para os antagonistas. Hermes e Gilberto Baroli, como sempre, oferecem um show à parte, trazendo à tona a emoção que a imagem em si, muitas vezes, falha ao não entregar.
Os Cavaleiros do Zodíaco: A Lenda do Santuário, chega, portanto, a cumprir seu papel de homenagem, mas acaba falhando ao se firmar como obra independente. É corrido, com personagens mal trabalhados (para não dizer desnecessários) e com um roteiro que exige um conhecimento prévio para não soar totalmente artificial. Ainda que nos aspectos visuais, a obra se sustente com firmeza, não temos elementos positivos o suficiente para assisti-la. Em outras palavras, se quiser lembrar de Cavaleiros do Zodíaco, priorize assistir o anime original, ou, melhor ainda, ler o mangá. Já quem nunca experienciou a história criada por Masami Kurumada, deve passar longe deste longa-metragem.
Os Cavaleiros do Zodíaco: A Lenda do Santuário (Seinto Seiya Rejendo Obu Sankuchuari – Japão, 2014)
Direção: Keiichi Sato
Roteiro: Tomohiro Suzuki (baseado no mangá de Masami Kurumada)
Dubladores Originais: Kaito Ishikawa, Ayaka Sasaki, Kenshō Ono, Kenji Akabane, Nobuhiko Okamoto, Kenji Nojima, Mitsuru Miyamoto, Rikiya Koyama, Kōichi Yamadera
Dubladores Brasileiros: Hermes Baroli, Ulisses Bezerra, Élcio Sodré, Francisco Brêtas, Leonardo Camillo, Luiz Antônio Lobue, Letícia Quinto, Fábio Moura, Gilberto Baroli.
Duração: 93 min.