Os Capacetes Brancos (tradução direta que fiz do título em inglês, já que não há tradução oficial ainda no Brasil) é um grupo voluntário de resgate na Síria que corriqueiramente é o primeiro a chegar depois de bombardeios para tentar salvar os civis. Eles se auto-intitulam a “Defesa Civil” do país, tendo, conforme informações deles próprios, salvado mais de 60 mil pessoas. A organização chegou a ser indicada para receber o Prêmio Nobel da Paz, perdendo para o presidente Juan Manuel, da Colômbia, por ter negociado o acordo com as FARC que, ironicamente, foi vetado em referendo popular.
No entanto, a própria natureza do grupo é contestada fortemente mundo afora. Muitos consideram que eles são patrocinados pela Al-Qaeda e pelo Estado Islâmico e outros, ainda, pelos EUA e pelo Reino Unido. Tendo em vista a controvérsia, tomei a decisão consciente de avaliar o documentário curta-metragem pelo seu valor de face, tentando ao máximo me esquivar de entrar no mérito sobre quem exatamente são os Capacetes Brancos, até porque essa questão, em si, não é objeto da obra sob comento.
Portanto, desde já pedindo perdão pela visão mais “apolítica” (o tanto quanto consegui, pelo menos), entremos no documentário, que foi produzido pelo Netflix.
Usando filmagens com câmera no capacete de membros da equipe, logo somos jogados no horror dos bombardeios em cidades da Síria, seguidos de dramáticos resgates por parte dos Capacetes Brancos, sempre uniformizados e sempre fazendo de tudo para chegar ao local da destruição antes da poeira assentar. Há um dramático resgate que abre a fita e, em seguida, logo depois dos créditos, embarcamos em uma missão com começo, meio e fim, inciando-se com o terrível som de um avião bombardeiro (que eles dizem ser russo), as bombas caindo, as explosões e a disparada dos salvadores até o local, onde só encontram escombros e pessoas soterradas.
É nesse lado quase “masoquista” de ver destruição e morte em um país arrasado que o documentário triunfa. Inexplicavelmente, porém, Orlando von Einsiedel, diretor do excelente e urgente Virunga, muda o foco de sua obra e se afasta dos resgates, levando sua câmara – agora em tripé, sem tremedeiras – para a Turquia, durante o treinamento de alguns Capacetes Brancos que vimos na ação inicial. Se o propósito foi mostrar que eles são mais do que apenas voluntários que, sem técnica, se arriscam salvando pessoas, o filme não precisaria simplesmente repousar ali até o final. Quase não vemos treinamento e quase não vemos mais resgate. Praticamente todas as filmagens se passam nos alojamentos, com os Capacetes Brancos acompanhando pela internet e pelo telefone o que está acontecendo em casa e o único resgate que vemos é o que notabilizou o grupo, deflagrando a disputa pelo prêmio Nobel: o famoso resgate de um bebezinho de um ou dois meses, ainda com vida, depois de horas do desabamento de um prédio em razão de bombardeios.
Mesmo com imagens emocionantes, é muito pouco para que uma história relevante seja contada. E as entrevistas que ouvimos, com os próprios Capacetes Brancos, são vazias, repletas de frases-clichê auto-indulgentes que não levam a simplesmente lugar nenhum. Não há uma tentativa de se explicar como exatamente o grupo foi formado, como ele se espalhou por todo o país, o que exatamente eles fazem para conseguir dinheiro para uniformes, carros, equipamentos e treinamentos e como funciona sua hierarquia, se é que existe alguma.
No final das contas, o que é importante vemos apenas em doses homeopáticas e muita coisa fica sem nem menção, com um enfoque “limpo” e unilateral do grupo que mais parece propaganda deles do que um do documentário propriamente dito. É claro que a situação na Síria é insustentável – as imagens dos bombardeios são aterrorizantes – e tenho certeza que há grupos de resgante atuando por lá, incluindo os Capacetes Brancos. Mas o que Orlando von Einsiedel faz, aqui, é o que os americanos chamariam de fluff piece, um “noticiário” desimportante no meio de todo esse horror, como uma sala de hospital que acabou de passar por uma profunda limpeza e não tem um sinal de sujeira, de problema e de personalidade. E, nesse processo, o documentário perde o foco, perde a urgência e perde a qualidade, tornando-se algo amorfo e com efeito contrário ao pretendido.
Ao tentar mostrar os horrores na Síria, o documentário transmuta-se em propaganda das virtudes imaculadas de um grupo de pessoas unicamente conforme a visão delas mesmas. Se isso foi intencional ou não, acho que prefiro nem saber, mas o resultado final é constrangedor.
Os Capacetes Brancos (The White Helmets, Reino Unido – 2016)
Direção: Orlando von Einsiedel
Com: Khalid Farah, Mohammed Farah, Abu Omar, Raed Saleh
Duração: 41 min.