Para um leitor que chegar a esta curta história do desenhista e escritor espanhol Antonio Hernández Palacios sem saber, de fato, qual é a sua origem, haverá uma bem difícil a apreciação da trama. Se isso já é “difícil” para quem sabe da fonte que inspirou o artista, tudo fica ainda mais “complicado” para os que não ouviram falar de Isidore Lucien Ducasse, mais conhecido pelo pseudônimo de Conde de Lautréamont. E não, isso não ocorre pelo fato de a história ser profunda demais e, por isso, difícil de ser entendida. Não é este o caso. Tanto a excelente arte de Palacios quanto o seu breve texto adaptativo dão muitos ingredientes para que um leitor virgem chegue à conclusão do que se trata, em linhas gerais, o tal pacto que o narrador fala para o público. Mas ainda falta algo.
Falemos, então, da origem. Ducasse nasceu na cidade de Montevidéu, Uruguai, em 4 de abril de 1846 e morreu em Paris, em 24 de novembro de 1870, aos 24 anos de idade. Publicado em 1869, na Bélgica e na França, os seus Cantos de Maldoror possuem 6 partes com longas estrofes escritas em prosa poética. Em termos históricos, trata-se de um importantíssimo documento para a literatura fantástica e que serviu de adubo literário para a poesia surrealista francesa, tendo recebido grande admiração por parte de futuros escritores como Louis Aragon, André Breton e Philippe Soupault.
No centro do texto, encontramos o nosso herói maldito: Maldoror. Fortemente emprenhado em se opor à bondade Divina, o protagonista (ou Homem Mau) dedica-se a viver disseminando todos os possíveis horrores que se possa conceber, seja físico, moral ou espiritual. Maldoror vive uma guerra contra o Criador e contra a Criatura (a humanidade), ele incluso. Há cenas de violência extrema nos cantos e, em todas as ocasiões, o ponto de partida é essa posição estúpida, vulgar, insignificante e inteiramente corrompida do homem, que para ele é sempre vil e desonesto consigo mesmo e com os outros, colocando uma máscara social para provar que sabe se adequar aos desejos alheios, dividir espaço com inimigos, conviver com diferentes e diferenças, mas isso não é algo nem perto da verdade. Para Maldoror, a cura para o descontentamento é extirpar, com o máximo de fluídos possíveis, “aquele que causa desconfortos” à sua vida.
Nesta “adaptação” de Palacios temos indícios básicos de “um dos pactos” que ele teria feito com um espírito maligno, neste caso, o Espírito da Prostituição. A obra tem uma coluna de prosa poética, embora curta, e é recheada de símbolos, nos dando tudo o que precisamos saber para que se entenda a personalidade do narrador, a quem — surpresa surpresa — não conseguimos odiar, e isso já diz muito sobre nós.
Embora todas essas coisas fiquem muito claras para o público, o roteiro aqui simplesmente não avança. Definitivamente falta algo, como salientei no primeiro parágrafo desse texto. A única coisa da qual não se pode reclamar aqui (e se dependesse unicamente dela, não caberiam de tantas estrelas na nota final) é a arte de Palacios, que possui um colossal poder expressivo e aplicação de cores, vindo em uma elegante diagramação, coisas que não conseguimos ignorar de jeito nenhum. De todo modo, é apenas um pequeno conto de 16 páginas, o que ajuda a explicar muita coisa em relação ao roteiro, mas não necessariamente eleva às alturas essa versão dos Cantos de Maldoror. A leitura, porém, é mais que indicada.
Los Cantos de Maldoror (Espanha, 1982)
Publicado originalmente na Metal Hurlant
Roteiro: Antonio Hernández Palacios
Arte: Antonio Hernández Palacios
16 páginas