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Crítica | Os Banshees de Inisherin

Tragicomédia ambígua.

por Felipe Oliveira
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Antes de entrar na temática de seu novo longa, Martin McDonagh começa articulando visualmente os elementos simbólicos, embora simples, mas que são bem utilizados para fins de impactos reflexivos da trama. A exemplo do passeio em planos abertos pelas terras esparsas de Inisherin em 1923 ao som do coral de Polegnala e Todora, canção folclórica búlgara enquanto temos a imagem de uma figura religiosa posicionada como se observasse a fadada ilha. Esse é um frame que ganhará outra perspectiva no desfecho do filme, agora com uma mulher tida como bruxa encarando por outro ângulo o encerramento de um conto mórbido que se passa nessa pequena ilha fictícia.

Isso não configura a ideia de que McDonagh quer definir a história por metáforas (ao menos não como um todo) e sim como ele insere representações visualmente óbvias que servem para reforçar seu escopo, principalmente quando o roteiro não é tão argiloso nesse aspecto. Mesmo tendo um contexto político como pano de fundo, percebe-se que a Guerra Civil Irlandesa é usada como combustão, uma alusão simbólica da ruptura desconcertadamente da amizade entre Pádraic (Colin Farrell) e Colm (Breendan Gleeson) quando este estabelece que não quer continuar a antiga relação que tinham, o que desencadeia um turbilhão de dúvidas para Pádraic, que busca entender as motivações que levaram a tal rompimento.

Essa era a contextualização que McDonagh precisava para começar a abordar as fragilidades omitidas frente a um estilo de vida e condicionamento social da pequena Inisherin. Basta a notória amizade entre dois homens assumir um rumo diferente que isso atinge o coração da comunidade acostumada pelas limitações e mecanismos da localidade. Enquanto o colapso entre Pádraic e Colm parece se desenvolver por motivações banais, é graças a Siobhán (Kerry Condon) que o filme consegue transmitir momentos mais inspirados. É também em exemplos como de Condon que fica claro como as performances superam quando o texto falha em ter mais clareza e agilidade.

É ótimo como McDonagh opta por deixar o conflito da Guerra de maneira sugestiva e usa a inimizade local e a reação da comunidade como um reflexo a esse conflito, mas sem permitir que o longa se torne uma leitura a suas metáfora já que a história é sobre um desamor que vai ganhando traços cada vez mais dolorosos. Talvez, as investidas com o humor ácido — que tem mais êxito na cena do cachorro arrastando a tesoura para fora da casa — cause um pouco de estranheza diante das discussões esboçadas que não parecem ter alguma relevância. Então, é aí que entra Siobhán, que tampouco integra a história para ser uma figura feminina de suporte aos personagens masculinos, e sim age como uma bússola racional, tanto para o rompimento entre Pádraic, seu irmão, e Colm, quanto para os dilemas que afligem Inisherin — além de provocar também a percepção do espectador.

Aos poucos, as motivações que impulsionam a rispidez de Colm se mostram provocadas pela ociosidade solidão e sentimento de fracasso de não ter realizado nada pelo que vá ser lembrado, e assim como a automutilação — que ele termina descarregando em Pádraic — e a música que compõe, são consequências da tentativa desesperada de encontrar sentido na sua deprimente existência. A canção que autointitula o filme é a criação de Colm para expressar seu dilema com Inisherin — já Mrs. McCormick, a mulher tida como bruxa, dá voz ao tom sombrio que essa fábula melancólica implica ao representar também, não explicitamente, uma banshee. Enquanto a resistência de Pádraic em não aceitar o fim da amizade é o que vai encadeando o ruir de uma relação até restar o desencanto e amargura.

Mesmo tendo certa parte de seu desenvolvimento tratado de forma teatral — característica evidente nos diálogos — McDonagh acerta ao transmitir através de seus personagens o misto de confusão e tristeza que assola a pequena Inisherin, já fadada pelo isolamento e o sentimento de fracasso — com Siobhán funcionando com uma exceção a esse destino sem realizações. Como desfecho, temos para contemplação o resultado das medidas trágicas que o fim de uma amizade foi assumindo, e com menos impacto do que McDonagh consegue atingir com a história — embora o elenco se mostra comprometido em seus papéis — Os Banshees de Inisherin  é uma triste fábula sobre uma pequena ilha condenada a um ciclo de repetição.

Os Banshees de Inisherin (The Banshees of Inisherin – Irlanda-Reino Unido-EUA, 2022)
Direção: Martin McDonagh
Roteiro: Martin McDonagh
Elenco: Colin Farrell, Brendan Gleeson, Kerry Condon, Barry Keoghan, Pat Shortt, Sheila Flitton
Duração: 114 min.

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