Obs: Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas das demais temporadas.
Beneath Her Heart é um daqueles episódios com potencial de sair prejudicado em uma análise segregada, sem que o crítico tenha a visão da temporada como um todo. Afinal, trata-se de um episódio quase que completamente separado da trama como um todo, focado em apenas uma das clones e, de certa forma – ênfase no “certa forma” – resvalando no perigoso terreno do filler. E isso para uma série que tem somente mais sete episódios para chegar ao seu fim pode ser perigoso.
É importante, porém, separar as coisas. O episódio em si, que tem os holofotes apontados para Alison Hendrix e sua “função” diante de sua família, irmãs clones, seus vizinhos e a Dyad, é bem construído e inteligente, com uma excelente performance de Tatiana Maslany na pele da dona de casa desesperada que tenta mostrar a que veio enquanto lida com seu passado vindo morder-lhe no presente. A questão é que ele parece ser – e aí é que vem a questão do olhar do todo versus da parte – uma espécie de encerramento de narrativa para a personagem que cumpre sua função e, de maneira bastante artificial, arrisco dizer, parece que será retirada da série por pelo menos alguns episódios, sob a desculpa de sair em uma busca existência por um propósito na vida. Se é isso mesmo, ainda é cedo para saber, mas, se for, parece-me uma conveniência excessiva de uma série de roteiros que já escanteou Helena com a gravidez e até certo ponto Cosima, perdida lá na ilha de P.T. Westmoreland.
Esse passado de Alison que mencionei é revisitado por intermédio de curtos flahsbacks para um período logo depois de ser contactada por Beth, mas antes de efetivamente juntar-se a ela e Cosima na luta pela sobrevivência. Nós a vemos junto com Donnie e Aynsley Norris (Natalie Lisinska voltando para uma ponta), sua vizinha e melhor amiga e seu marido Chad (Eric Johnson) divertindo-se com cogumelos alucinógenos. É tudo muito simpático e tematicamente relevante com o desdobramento da narrativa no presente – as drogas sendo inadvertidamente tomadas por Donnie, a culpa pela morte de Aynsley -, mas é como ver um episódio que anda de lado, sem efetivamente acrescentar algo que não sabíamos.
A própria invasão policial na casa dos Hendrix é repetitiva, agora com o objetivo de descobrir o paradeiro de Helena. Ainda que aconteça um fechamento para o arco da morte de Leekie e do clone do projeto CASTOR – a crítica ao subúrbio “normal” escondendo horrores é mais do que evidente, ainda que divertida -, a sensação é que não havia muito ali para contar ou para acontecer. Sim, o enfrentamento de Rachel por Alison ao final funciona bem e finalmente coloca as duas frente a frente (eu sinceramente até havia esquecido que elas ainda não se conheciam), demonstrando o valor de Alison não só para nós, como para ela própria, mas faltou algo e esse algo talvez seja um simples deslocamento desse episódio para algum momento anterior da série e não nesse finalzinho.
No entanto, como disse, é sempre agradabilíssimo ver Maslany vivendo a soccer mom preferida da televisão e há uma circularidade muito eficiente do roteiro de Alex Levine que posa as perguntas e as responde naturalmente, sem forçar situações mesmo que tenha que recorrer a artifícios narrativos já batidos em Orphan Black. Resta saber se Alison realmente ficará de fora da temporada até mais próximo do final, como suspeito.
Outra pergunta importante é relacionada com o mote da temporada em si. Com a situação de Rachel e Kira razoavelmente assentada e a relação de Cosima e Westmoreland pelo menos em tese funcionando, o que realmente resta acontecer? Fora a localização de Helena e de seus gêmeos “Wolverine“, não há mais oposição, não há mais tensão ou perigo para quem quer que seja, especialmente agora que o risco para os Hendrix desapareceu. Em outras palavras, como é que Sarah Manning voltará efetivamente para a equação?
São apenas mais sete episódios, mas que, nesse momento, parecem ser demais para o que precisa ser contado. Afinal, sinceramente não espero que o lado científico da série seja completamente explicado e abordado até o final, já que o foco sempre foi – como deveria mesmo ser – no desenvolvimento dos personagens. Em não havendo mais um conflito iminente, fica a dúvida sobre como John Fawcett e Graeme Manson pretendem conduzir a série até seu final. E é curioso eu estar indagando isso agora, pois o final da temporada anterior e o episódio inaugural da atual tinham força suficiente para contar uma fascinante narrativa de sobrevivência na ilha misteriosa, algo que foi colocado de lado sem cerimônia já em Clutch of Greed.
Beneath Her Heart provavelmente precisará ser revisitado ao final da série para ver como exatamente ele se encaixa no todo, além de ser meramente um episódio de redenção para Alison. Vendo-o de maneira independente ou como parte do que vinha sendo construído até o momento, ele pareceu um passo em falso ou, pelo menos, um simpático filler.
Orphan Black – 5X03: Beneath Her Heart (Canadá – 24 de junho de 2017)
Showrunners: John Fawcett, Graeme Manson
Direção: David Wellington
Roteiro: Alex Levine
Elenco: Tatiana Maslany, Jordan Gavaris, Kristian Bruun, Maria Doyle Kennedy, Kevin Hanchard, Josh Vokey, Dylan Bruce, Ari Millen, Skyler Wexler, Rosemary Dunsmore, Cynthia Galant, James Frain, Jessalyn Wanlim, Évelyne Brochu, Gord Rand, Lauren Hammersley, Stephen McHattie
Duração: 41 min. aprox.