Orion e o Escuro, baseado em livro infantil homônimo de Emma Yarlett, é uma produção curiosa pelo grande risco que assume logo de início ao investir mais do que seu primeiro terço em uma abordagem que camba para o puramente genérico, que funde Divertida Mente com Uma Canção de Natal sem, em momento algum, chegar próximo da riqueza das citadas obras para somente depois trabalhar temas mais instigantes e investir em uma subversão de sua estrutura narrativa que, sem dúvida alguma, torna tudo mais interessante. Ou seja, a animação da DreamWorks, distribuída pelo Netflix, nada contra a corrente e começa decepcionando, mas torcendo que não tanto assim a ponto de seu público desistir, para, então, finalmente mostrar a que veio, mesmo que o resultado, no final, não seja assim tão excepcional.
Com roteiro do costumeiramente desafiador Charlie Kaufman em sua segunda animação – Anomalisa tem diversos pontos de convergência com Orion, mas em outro patamar, vale salientar – o longa começa como a história de Orion (Jacob Tremblay), um garoto de 11 anos que tem medo de tudo, especialmente do escuro, que, em determinada noite, recebe a visita justamente do Escuro (Paul Walter Hauser), a encarnação da noite, por assim dizer, que o leva a uma viagem pelo mundo ao lado de outras entidades noturnas, uma especializada em sonhos, outra em insônia e assim por diante. Essa camada narrativa é a camada banal, comum mesmo, do roteiro, que segue aquela cansada estrutura de apresentação do protagonista e de cada uma das entidades que fazem da noite o que ela é, com seus poderes, habilidades e tudo mais. Não há, realmente, nada de especial até que, com pouco menos de 20 minutos de projeção, a história é interrompida para que uma abordagem multigeracional seja discretamente introduzida, mas pouco desenvolvida até quase a metade da duração do filme, quando, finalmente, a estrutura narrativa sofre um solavanco e o toque “kaufmaniano” torna-se mais evidente.
E esse toque significa não só uma liberdade criativa maior, que altera o foco da obra para algo mais amplo do que um menino aprendendo a lidar com suas variadas fobias, como coloca sob análise as próprias entidades que povoam a narrativa, criando camadas que as desenvolvem para além de meras guias de uma jornada única. Mais para a frente, quando há o que posso chamar de “reviravolta”, o longa finalmente revela suas verdadeiras intenções que são ao mesmo tempo mais simples e melhores do que vinha sendo mostrado até esse ponto, transformando, talvez, a própria natureza do que o diretor de primeira viagem (em longas-metragens) Sean Charmatz coloca nas telas.
A questão é que, diferente de Divertida Mente, o universo de Orion e o Escuro é acanhado, seja em termos de design, seja em termos de efetiva construção. Escuro e seus parceiros da noite são certamente bem renderizados, mas, em aparência, eles parecem “cansados”, incapazes de causar deslumbramento efetivo. O próprio Orion parece “apenas mais um” personagem cheio de problemas que não se destaca em meio a tantos outros. E seu drama pessoal já foi trabalhado antes com mais eficiência em outras produções como, inclusive, o exemplar da Pixar que decidi usar para ilustrar a presente crítica (até mesmo os personagens do bem menos inspirado Elementos, da mesma Pixar, são infinitamente mais fascinantes do que os que são apresentados aqui). Em outras palavras, aquele maravilhamento que deveria fisgar o espectador inexiste em Orion e o Escuro e, quando ele finalmente vem, muitos minutos a frente, ele não é suficiente para iluminar de verdade a animação.
O retorno de Charlie Kaufman a um longa animado, mesmo que mais infantil, tinha tudo para dar certo, mas a chama da criatividade do roteirista demoro a acender, ainda que ele certamente não seja o único culpado aqui. Mesmo que seja louvável “esconder o jogo” narrativo, de certa maneira invertendo a lógica tradicional da própria natureza da obra, faltaram atrativos para laçar de verdade o espectador e fazê-lo mergulhar no mundo criado. E isso é frustrante, pois Orion e o Escuro tinha potencial, mas acaba ali na incômoda fronteira entre o genérico simpático e o ousado diferente, ou, mais apropriadamente, apenas no famoso lusco-fusco cinematográfico.
Orion e o Escuro (Orion and the Dark – EUA, 02 de fevereiro de 2024)
Direção: Sean Charmatz
Roteiro: Charlie Kaufman (baseado em livro infantil de Emma Yarlett)
Elenco: Jacob Tremblay, Colin Hanks, Paul Walter Hauser, Angela Bassett, Ike Barinholtz, Natasia Demetriou, Golda Rosheuvel, Nat Faxon, Aparna Nancherla, Carla Gugino, Matt Dellapina, Mia Akemi Brown, Shannon Chan-Kent, Shino Nakamichi, Ren Hanami, Jack Fisher, Nick Kishiyama, Werner Herzog
Duração: 90 min.