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Crítica | Orfeu Negro (Orfeu do Carnaval)

por Luiz Santiago
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estrelas 4

Falado em português, com elenco predominantemente brasileiro e filmado no Rio de Janeiro pelo cineasta francês Marcel Camus, Orfeu Negro ou Orfeu do Carnaval foi o primeiro produto cinematográfico sobre a cultura brasileira a alçar voos muito altos, tendo sua distribuição e fama garantidas pelos prêmios que foi acumulando até dois anos depois de lançado: Prêmio Sant Jordi de Filme Estrangeiro (Brasil, França, Itália); Palma de Ouro em Cannes; Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro (França), em um mega empate com Alucinação Sensual (1959), A Ponte da Desilusão (1959), Nós, Meninos Pródigos (1958) e Morangos Silvestres (1957); e Oscar de Melhor Filme Estrangeiro (França), derrubando um dos favoritos, A Grande Guerra, de Mario Monicelli.

O filme é baseado na peça Orfeu da Conceição, de Vinicius de Moraes, e conta a história de Orfeu e Eurídice durante o período de Carnaval. A ação é ambientada no Morro da Babilônia e ao largo de faixas de Tom Jobim, Luís Bonfá, Antônio Maria e Vinicius de Moraes, temos muitas cenas dos desfiles de rua e das festas no morro sendo mostradas pelo que nos parece uma eternidade, constituindo o verdadeiro problema do filme.

A obra conseguiu grande sucesso de crítica internacional e, como já comentamos, encantou o Júri de importantes festivais ao redor do mundo. Há, porém um outro lado das opiniões sobre a fita, dando conta dos preconceitos de época, mímica e clichês de exotismo em relação à cultura e ao povo brasileiro, o que não deixa de ser verdade, mas também não são empecilhos para o filme. Orfeu Negro não é uma obra-prima, mas o recorte que faz da comunidade negra e pobre no Rio de Janeiro, mesmo caricaturado, não é mentiroso ou colocado de forma escrachada no roteiro e nem explorado de maneira pouco elogiável pelo diretor Marcel Camus. Muito pelo contrário.

Há um grande cuidado do cineasta em fazer as ações se passarem dentro de uma comunidade simples, onde todos se conhecem e onde a maioria está engajada nas preparações para o desfile. Juntamente com sambas mais genéricos [quase] onipresentes, canções marcantes impulsionam a atmosfera dramática da película, marcando os estágios da tragédia grega de Orfeu e Eurídice em território negro brasileiro, onde a pobreza, o assassinato, a camaradagem e todas as grandes paixões humanas universais vestem a cara do Brasil ao som de A Felicidade (Tom e Vinicius), O Nosso Amor (Tom), a belíssima e merecidamente tornada famosa pelo filme, Manhã de Carnaval (Luiz Bonfá) e a instrumental Samba de Orfeu (Bonfá e Antônio Maria).

Nesse miolo da obra, o espectador irá encontrar figurinos que conhece muito bem — inclusive na “sequência da macumba”, na reta final da fita –, cores, musicalidade, condição social, miscigenação, geografia e qualidades e defeitos humanos que são trazidas da peça e baseados em nosso povo. Mas parte dessa identidade nacional — independente da forma como é representada — não é o bastante para segurar todos os “minutos mortos” em que se arrastam as cenas do carnaval, especialmente na noite do desfile, onde a verdadeira tragédia acontece. Até aquele momento, o mito (ou uma das muitas versões do mito) havia sido apresentado de maneira interessante, com boas mudanças bem encenadas pelo elenco: Orfeu, o mais talentoso de todos os poetas, apaixona-se por Eurídice, cuja beleza já havia atraído a atenção de Aristeu, um apicultor, que passou a persegui-la após ser rejeitado por ela.

A introdução de Aristeu como um misterioso homem mascarado e decidido a matar Eurídice é perfeita para a ocasião, assim como o grande acerto da peça e direção em representar de maneira distinta a “picada de cobra” em Eurídice, sua morte, a descida de Orfeu ao “mundo dos mortos”, seu descumprimento do trato, a perda eterna de sua amada e o final trágico do grande poeta, que tem a sua sina passada para um outro garoto através do violão. Nesse final, temos não apenas uma bela demonstração da vida que segue e desabrocha, apesar da morte, e as sementes de uma possível tragédia futura, acenando para a mítica definição de que não se pode fugir ao destino.

O espectador consegue contornar tranquilamente os pequenos incômodos da edição de som e os clichês de um Brasil exótico (mas vejam, estamos falando de um escapismo realista, seria bem complexado reclamar disso, não é mesmo?), mas passa com dificuldade pela exploração quase vazia e muito longa dos momentos musicais por si só, apenas como demarcação de algo que já havia ficado claro e bem contextualizado através da cartilha de direção clássica seguida pelo diretor. Na primeira parte do filme, esses momentos são necessários e bem recebidos porque servem de apresentação, mas depois tendem a nos afastar progressivamente. A mesma coisa podemos dizer da sequência da umbanda, cuja musicalidade inicial é necessária, mas a extensão da sequência pesa de forma negativa.

Algumas críticas à burocracia, ao comportamento diante da morte e em relação ao processo de procura por pessoas desaparecidas são feitos aqui, dando alguns pontos a mais para Orfeu Negro, que mesmo não sendo o último refúgio da brasilidade, é sim um bom filme. Basta saber como olhar para ele.

Orfeu Negro / Orfeu do Carnaval (Brasil, França, Itália, 1959)
Direção: Marcel Camus
Roteiro: Marcel Camus, Jacques Viot (baseado na peça de Vinicius de Moraes)
Elenco: Breno Mello, Marpessa Dawn, Marcel Camus, Fausto Guerzoni, Lourdes de Oliveira, Léa Garcia, Ademar Da Silva, Alexandro Constantino
Duração: 100 min.

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