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Crítica | Ordem (A Saga Silo #2), de Hugh Howey

A origem dos silos.

por Ritter Fan
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Eu tinha certeza de que Hugh Howey contaria a origem dos silos e do mundo pós-apocalíptico que criou e que revelou a conta gotas no inegavelmente intrigante primeiro volume de sua trilogia, mas eu realmente não esperava que o autor fosse dedicar o livro do meio inteiro a um gigantesco e interminável flashback dedicado exclusivamente a isso. E não é que esse livro seja curtinho e objetivo, pois ele tem basicamente o mesmo tamanho gigantesco do primeiro, ou seja, quase 600 páginas, repetindo basicamente o mesmo problema crônico do autor, que é se perder em suas (boas) ideias e deixar seus personagens subdesenvolvidos, algo que, não tenho dúvida, decorre não só de uma falta de editorialização para a publicação no formato de romance, como vem da maneira como Howey originalmente criou sua obra, ou seja, lançando capítulos autopublicados no serviço do Kindle.

Ordem (o título vem do nome da parte do meio do romance e foi uma escolha ruim da editora nacional, já que Turno, tradução direta de Shift, faz muito mais sentido) é, portanto, um retorno ao começo de tudo, que explica tintim por tintim o porquê da construção dos 50 silos nos EUA e como a Terra foi destruída, com personagens 100% novos e ambientação quase que também 100% nova (na medida em que a narrativa progride no tempo, um pouco da ação se passa nos Silos 17 e 18 que já conhecemos, mas não na época dos eventos do livro anterior, ainda que haja convergência). Tenho que, porém, reconhecer que Howey se esforça para não entregar apenas mais uma história genérica de apocalipse com base em guerra nuclear, criando um pano de fundo curioso que lida com um tríptico que, em um primeiro momento, pode parecer que não se conecta, mas que, depois, começa a fazer sentido: nanotecnologia, criogenia e esquecimento.

O começo da história se passa em 2049, quando o ex-arquiteto e recém-eleito congressista Donald Keene é recrutado pelo experiente senador Paul Thurman para ajudar em um projeto de construção de silos subterrâneos sob a falsa premissa de serem usados para armazenar refugo nuclear. O leitor, claro, sabe para que os silos serão usados, mas esse mistério é mantido de Keene por um número enorme de páginas na medida em que a história progride em anos até 2052 quando uma parte da verdade é revelada ao protagonista. Sem revelar muito a quem ainda se interessar em ler a trilogia ou acompanhar a série do Apple TV+ (que eu não sei se vai chegar a ter um flashback tão extenso assim, mas espero que não), basta dizer que a ameaça ao mundo, segundo Thurman e a nanotecnologia e que a resposta dos EUA a isso é o ataque nuclear seguido de um projeto para preservar a espécie humana em 50 silos na região de Atlanta (confesso que não entendi essa escolha, mas tudo bem), com o Silo #1 servindo de comando central, com seus habitantes entrando e saindo da criogenia e mantendo-se na ignorância do ocorrido por meio de uma substância que leva ao esquecimento.

Como disse, eu reconheço o esforço de Howey para construir algo diferente que ele vai vagarosamente revelando na medida em que seu flashback avança no tempo – e o avanço é enorme, dando uma medida exata da época no futuro em que se passa a ação do primeiro livro, mas a história dele estica demasiadamente a suspensão da descrença e exige que o leitor aceite tanta coisa simplesmente por aceitar que chega a um ponto que a única escolha que temos é mesmo continuar passando as páginas tentando segurar o riso inadvertido ou aquelas reviradas de olhos quando as doses de absurdos vêm a cavalo. E não é que seu livro seja difícil de ler ou particularmente complexo e até creio que seu Donald Keene tem mais desenvolvimento do que Juliette no primeiro capítulo da trilogia, mas é que a combinação de segurar revelações durante o maior tempo possível (o que revelei aqui na presente crítica nem arranha a superfície) e fazer as revelações mais surreais na base do “porque sim e pronto, não discute muito” definitivamente não funciona e, muito sinceramente, contribui comparativamente pouco para compreendermos o status quo a que fomos apresentados em Silo, nada que não pudesse ser inserido de maneira mais fluida em um segundo volume que ao mesmo tempo avançasse a história no presente e a pontuasse com flashbacks esparsos.

Ordem é, portanto, um “livro do meio” que é capaz de desanimar até mesmo quem queria detalhes sobre a origem dos silos e do fim do mundo nesse universo criado por Howey. E, claro, é uma espécie de banho de água fria literário para quem queria que a história de Juliette avançasse. Faltou, como no primeiro capítulo, um cuidadoso trabalho de editorialização para publicação em forma de livro, de maneira a extrair a gordura e amarrar melhor a narrativa, talvez até levando à sugestão de fundir os segundo e terceiro tomos da saga. Infelizmente, porém, essa “história de origem” é um calhamaço de decepção que consegue a proeza até mesmo de tirar a vontade de ler o terceiro e último volume.

Ordem (Shift – EUA, 2013)
Autoria: Hugh Howey
Editora original: Kindle Direct Publishing
Data original de publicação: 28 de janeiro de 2013
Editora no Brasil: Editora Intrínseca
Data de publicação no Brasil: 09 de março de 2015
Tradução: Edmundo Barreiros
Páginas: 578

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