obs: Há spoilers somente da temporada anterior.
Jenji Kohan, showrunner de Orange is the New Black consegue, logo em sua segunda temporada, transformar sua série em um quase imbatível estudo de personagens. A característica que julguei como um aspecto negativo da primeira temporada transforma-se na maior qualidade da segunda e OITNB consegue ficar ali, lado a lado com House of Cards em termos de atuações e personagens de cair o queixo (guardadas as devidas proporções, claro).
E a temporada começa “enganando” o espectador, com um primeiro episódio focado exclusivamente em Piper Chapman (Taylor Schilling), um mês depois que ela espanca Pennsatucky (Taryn Manning) em auto-defesa. Saindo da solitária, ela é misteriosamente transferida para uma prisão mista em Chicago, sem que nenhuma explicação lhe seja dada. Nós também estamos no escuro, até que descobrimos que isso aconteceu não em razão da briga que encerrou a primeira temporada, mas sim em razão do julgamento do traficante para quem Alex Vause (Laura Prepon), sua amante – e ela, por consequência – trabalhava. Ao longo de todo episódio, parece que o objetivo de Jenji Kohan é mudar o status quo completamente, quase que reiniciando o drama pessoal de Chapman.
Mas isso seria um incrível desperdício de talento, pois significaria que as demais personagens, provavelmente, não mais voltariam. Felizmente, porém, logo no segundo episódio voltamos à prisão de Litchfield e aos rostos que aprendemos a gostar. E Jenji Kohan, então, faz o que faz de melhor e retira as câmeras de Chapman e passa a trabalhar o enorme e instigante elenco que tem à sua disposição. E esse desvio de foco, nessa segunda temporada, é profundo. Sim, Chapman continua lá, a história de seu noivo Larry (Jason Biggs) e de sua amiga Polly (Maria Dizzia) não é esquecida, mas o que vemos, de verdade, é um mergulho na vida de todos os demais, com Piper muito mais como uma observadora, pois ela jamais interfere de verdade com qualquer linha narrativa que não seja a dela.
E é essa a coragem da série: apresentar-nos a um protagonista que é, sim, deixado de lado. E, devo dizer que ainda bem. A história de Piper já havia sido bem explorada na temporada anterior e ela continua sendo na nova temporada, mas em doses sabiamente homeopáticas. Kohan trata de, logo no segundo episódio, introduzir uma nova personagem que muda muito a dinâmica da prisão: Vee Parker (Lorraine Toussaint), traficante de drogas e “mãe postiça” da simpática Taystee (Danielle Brooks).
Vee vê a prisão também como um negócio e trata de reiniciar o tráfico de drogas lá dentro e de estabelecer uma posição de poder. Logo, ela tem sua própria e relutante gangue, formada pela facilmente manipulável Crazy Eyes (Uzo Aduba em uma atuação inacreditável), além de Taystee, Janae (Vicky Jeudy) e Black Cindy (Adrienne C. Moore). E Vee tem uma história lá dentro, pois é pelo menos sua segunda visita à Litchfield, sendo que, na primeira delas, ela teve conexão com a então recém-chegada Red (Kate Mulgrew) que, por sua vez, também tenta restabelecer suas conexões de tráfico de amenidades e o respeito perdido depois dos eventos anteriores.
Com isso, duas facções são formadas, Vee de um lado, Red de outro e a prisão razoavelmente pacífica passa a ter um ar tenso e pesado. Todos os demais dramas são periféricos à essa situação, ainda que muito bem explorados pela narrativa, que faz uso de episódios de quase uma hora para tratar satisfatoriamente de todos eles. Há o câncer de Miss Rosa (Barbara Rosenblat), o ativismo da novata Soso (Kimiko Glenn) e da veterana Irmã Ingalls (Beth Fowler), a solidão de Poussey (Samira Wiley), afastada de sua amiga Taystee com a chegada de Vee, o romance entre Dayanara (Dascha Polanco) e o policial Joe Bennett (Matt McGorry) e, claro, a corrupção – e drama pessoal – da assistente do diretor da prisão Natalie Figueroa (Alysia Reiner) em contraposição com a correção do simpático, mas ambicioso Joe Caputo (Nick Sandow) e a instabilidade psicológica de Sam Healy (Michael J. Harney). E, é claro, a vida de Piper Chapman também é remexida, com alguns poucos episódios dedicados cirurgicamente a ela, fazendo-a com que ela veja quem ela realmente é ou quer ser.
Além de atuações magníficas de praticamente todo o elenco, com especial destaque para Uzo Aduba, Lorraine Toussaint, Kate Mulgrew e Barbara Rosenblat, é impressionante ver como as histórias são bem costuradas, com flashbacks precisos e nada exagerados, que apenas funcionam para dar a correta dimensão da situação para o espectador, saindo do que se poderia esperar dessa ferramente audiovisual que seria simplesmente contar a razão de cada uma das prisioneiras estar lá. Vemos o passado na medida que precisamos para apreciar o presente, para entender o tamanho do drama de cada uma dessas impressionantes mulheres que convivem em estado precário em uma prisão de segurança mínima.
Mesmo com a presença de Vee e o recrudescimento de antigas rivalidades, a série não se equipara ao simples “filme de prisão” clássico. A prisão é, como mencionei na crítica da temporada anterior, apenas uma desculpa para a criação de um interessante e diverso microcosmo para um magistral estudo do ser humano.
Se existe um defeito na temporada é seu final um tanto apressado na resolução. Apesar do último episódio ter 90 minutos de duração e efetivamente fechar as pontas soltas, não deixando cliffhangers (algo raro e bem-vindo na televisão, devo dizer), a direção corre demais e simplifica as coisas. Mas, diante do deleite que é assistir às atuações de um elenco imbatível, o final não atrapalha nem um pouco a diversão.
Orange is the New Black – 2ª Temporada (EUA, 2014)
Showrunner: Jenji Kohan
Direção: Vários
Roteiro: Vários
Elenco: Taylor Schilling, Jason Biggs, Kate Mulgrew, Taryn Manning, Natasha Lyonne, Uzo Aduba, Laverne Cox, Dascha Polanco, Matt McGorry, Beth Fowler, Samira Wiley, Lea DeLaria, Laura Prepon, Pablo Schreiber, Michael J. Harney, Nick Sandow, Lorraine Toussaint, Maria Dizzia, Danielle Brooks, Vicky Jeudy, Adrienne C. Moore, Alysia Reiner, Barbara Rosenblat, Kimiko Glenn
Duração: 810 min. (aprox.)