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Crítica | Operação Cerveja

Operação didatismo.

por Ritter Fan
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Operação Cerveja é um daqueles filmes capazes de fisgar o espectador por sua premissa inusitada: um civil resolve levar cervejas americanas para seus vizinhos que se alistaram para lutar no Vietnã de forma a mostrar o apoio de seu bairro ao patriotismo deles. E a coisa fica melhor ainda quando descobrimos, de imediato, que a história é impressionantemente verdadeira e, além disso – depois de uma breve pesquisa pós-filme -, que os eventos que vemos transcorrer na tela são razoavelmente fieis ao que aconteceu de verdade em daqueles exemplos de que, às vezes, a vida consegue ser ainda mais surreal do que a arte.

Zac Efron, com um bigode ridículo, é John “Chickie” Donohue, um “bebe e dorme” que não faz absolutamente nada na vida que, bêbado em seu bar de sempre, compra a ideia do dono do lugar, um veterano de guerra exacerbadamente patriótico vivido por Bill Murray, de levar as cervejas para seus amigos como uma forma de se opor aos protestos da população americana contra a guerra. Carregando uma bolsa de lona cheia de latas de Budweiser (como se não fosse possível comprar cervejas americanas por lá), ele embarca em um navio mercante que leva dois meses para chegar no Vietnã e, sem qualquer preparação, sem qualquer tipo de plano, sem sequer olhar um mapa para entender a geografia do país, parte para achar seus vizinhos ainda vivos nas mais diferentes unidades espalhadas pelo teatro de guerra (pelo menos essa lista ele levou).

Peter Farrelly enquadra seu filme, em linhas amplas, como uma comédia que depende quase que exclusivamente da quase inacreditável ignorância profunda de Chickie sobre geopolítica e sobre seu próprio país (ok, não é inacreditável coisa nenhuma considerando as boçalidades que leio nas raras vezes que passeio pelas redes sociais), o que leva a situações simpaticamente divertidas, como ele ser confundido por um agente da CIA (afinal, só um agente vestiria camisas coloridas e coisas assim), algo que lhe dá toda a flexibilidade necessária, sem que ninguém pergunte nada, para basicamente usar todo o tipo de transporte para chegar nas frentes de guerra. Esse artifício, claro, é uma gigantesca e quase preguiçosa conveniência de roteiro que só é ultrapassada pelos encontros “sem querer” com seus amigos, esses momentos sim completamente preguiçosos, de revirar os olhos.

Quando, porém, Farrelly sai da seara da comédia, com Chickie começando a perceber que guerra não é brincadeira e que o que o presidente dos EUA diz nem sempre – ou quase nunca – é confiável, algo que começa quando ele se encontra com o correspondente de guerra Arthur Coates (Russell Crowe) no bar de um hotel, o filme começa a perder seu valor ou o valor que ele se esforçava em mostrar até esse ponto. O problema maior fica por conta da muleta narrativa chamada didatismo, com o roteiro de Brian Hayes Currie, Pete Jones e do próprio Farrelly passando a ser uma espécie de libelo anti-bélico para idiotas.

Considerando a vasta quantidade de filmes e séries americanos que passam a mesma mensagem sem depender de diálogos que praticamente dizem que “nenhuma guerra é justificável”, filmes esses de diversos gêneros, inclusive a comédia, chega a ser indesculpável a simplicidade óbvia ululante dos diálogos e das situações testemunhadas por Chickie ao longo de seus poucos dias no Vietnã que mudam completamente sua visão completamente ignorante do conflito. Não é necessário que o protagonista repita as lições que aprende na medida em que aprende, como se estivesse decorando o texto de um livro didático de história que precisa decorar para a prova no dia seguinte. Não é necessário que o longa pare sua história para que Coates tenha que quase olhar para a câmera para dizer a Chickie (e a nós) sobre os horrores da guerra. E não é necessário que Chickie encontre uma menina vietnamita que demonstra ter pavor dele simplesmente por ele ser ocidental. Quando Farrelly faz isso, ele não está chamando apenas Chickie de ignorante, mas sim igualando todos os seus espectadores a Chickie.

E olha que eu sou o primeiro a dizer que, às vezes, um pouco de didatismo é bom para não deixar dúvidas sobre a mensagem que se está passando, especialmente no mundo de hoje, em que as pessoas só enxergam aquilo que querem ver, mas isso não é uma licença para transformar um longa em uma lição rasteira sobre os males da guerra. Sim, guerras são tragédias e sim, guerras têm objetivos que normalmente não têm conexão alguma com o que é alardeado pelos governos, pela imprensa e por outros meios e sim, é óbvio que Farrelly tem como objetivo bater no imperialismo (não só americano, claro), mas não custa abordar esses assuntos sem que o longa pareça uma aula dada por um professor particularmente ruim.

E é uma pena que tenha sido esse o caminho escolhido, pois Efron, mesmo com um bigode que orgulharia Zapata, não faz feio em sua atuação que oscila entre comédia e drama, mesmo que o material entregue não lhe permita sutilezas. A direção de arte também é muito boa, seja na Inwood do final dos anos 60 com filmagens em Nova Jersey, seja no Vietnã, com filmagens em locação na Tailândia. Os figurinos convencem, as poucas sequências de guerra também, mostrando que poderia haver pelo menos um filme bom no cômputo geral se o elenco tivesse sido brindado com algo menos cansado e óbvio em termos de roteiro.

No entanto, Operação Cerveja, com uma injustificável duração avantajada, é apenas mediano, uma obra que até começa bem mesmo que a caracterização de Chickie seja irritante, mas que não demora a descambar para algo banal e repetitivo com tons professorais que chegam a ser ridículos. Uma ótima história real que poderia resultar em uma comédia dramática, ou até mesmo um drama puro, de qualidade que acaba sendo apenas mais um filme cujo destaque começa e acaba em sua premissa. E no bigodão de Efron, claro.

Operação Cerveja (The Greatest Beer Run Ever – EUA, 30 de setembro de 2022)
Direção: Peter Farrelly
Roteiro: Brian Hayes Currie, Peter Farrelly, Pete Jones
Elenco: Zac Efron, Russell Crowe, Jake Picking, Kyle Allen, Will Ropp, Archie Renaux, Will Hochman, Matt Cook, Kevin K. Tran, Ruby Ashbourne Serkis, Bill Murray, Christopher Red Brown, Joe Adler, Macgregor Arney, Hal Cumpston, Kristin Carey, Paul Adelstein, Shirleyann Kaladjian, Omari K. Chancellor, Goya Robles
Duração: 126 min.

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